
As experiências do LHC não criam grandes pepitas de ouro — mas algumas partículas dentro de um feixe de iões de chumbo podem transformar-se em ouro durante cerca de um microssegundo.
Feixes de chumbo em colisão originam iões de ouro de movimento rápido e curta duração. Compreender o processo poderá ajudar a refinar experiências com aceleradores de partículas.
O sonho dos alquimistas do século XVII foi concretizado por físicos no Grande Colisor de Hadrões (LHC), que transformaram chumbo em ouro — ainda que apenas por uma fração de segundo e a um custo enorme.
A (pouco misteriosa) transmutação aconteceu no CERN, o laboratório europeu de física de partículas, próximo de Genebra, na Suíça.
Os primeiros químicos — na altura, alquimistas — sonhavam transformar o abundante chumbo em ouro precioso. Mas as diferenças no número de protões entre os elementos (82 para o chumbo e 79 para o ouro) tornavam isso impossível por meios químicos.
Num novo estudo, uma equipa de investigadores da experiência ALICE do CERN conseguiu esta proeza direcionando feixes de chumbo uns contra os outros, a viajar a uma velocidade próxima da da luz. Nestas condições, os iões passam ocasionalmente de raspão uns pelos outros, em vez de colidirem frontalmente.
Quando isto acontece, o intenso campo eletromagnético em redor de um ião pode criar um pulso de energia que desencadeia a ejeção de três protões de um núcleo de chumbo que se aproxima — transformando-o em ouro.
Numa análise aos resultados do estudo, apresentada num artigo publicado a 7 de maio na Physical Review Journals, a equipa calculou que entre 2015 e 2018, as colisões no LHC criaram 86 mil milhões de núcleos de ouro — aproximadamente 29 bilionésimos de grama.
A maioria dos átomos de ouro, instáveis e de movimento rápido, teriam durado cerca de 1 microssegundo antes de colidirem com aparelhos experimentais ou se fragmentarem noutras partículas.
Sempre que feixes de chumbo colidem, no LHC, é produzido, mas o ALICE é a única experiência com o detetor configurado para identificar este processo.
A análise “é a primeira a detetar e analisar sistematicamente a assinatura da produção de ouro no LHC experimentalmente”, afirma à Nature a física russa Uliana Dmitrieva, membro da colaboração ALICE.
“Entre 2002 e 2004, um outro acelerador do CERN, chamado SPS, observou a transformação de chumbo em ouro”, diz Jiangyong Jia, físico da Universidade de Stony Brook, em Nova Iorque.
Mas as experiências conduzidas no novo estudo são realizadas com energia mais elevada, têm uma probabilidade muito maior de criar ouro, e permitem observações muito mais claras, acrescenta Jia.
Os investigadores do CERN não planeiam propriamente dedicar-se à produção de ouro como atividade secundária —uma atividade que seria ruinosa — mas afirmam que uma melhor compreensão de como os fotões podem alterar os núcleos ajudará a melhorar o desempenho do LHC.
“Compreender tais processos é crucial para controlar a qualidade e estabilidade do feixe”, diz Jiangyong Jia.