Fim dos vistos gold trama o Estado (e vêm aí processos milionários)

O fim dos vistos gold pode ser uma autêntica pedra no sapato para o Estado português. Especialistas anteveem uma chuva de processos milionários.

Desde a sua criação que os chamados vistos gold estão envoltos em polémica. Há vários anos que se pedia a sua extinção, com os mais críticos a apontarem supostos riscos associados ao sistema de concessão e porem em dúvida os reais benefícios que os investimentos decorrentes deles geraram para a economia.

Em novembro do ano passado, em plena Web Summit, António Costa, admitiu que o Governo estava a avaliar a continuidade do regime. O primeiro-ministro português sublinhou que poderia já não se justificar mais a sua manutenção. E assim foi.

Depois de vários avanços e recuos, o Governo acabou por decidir o fim dos vistos gold, no passado mês de fevereiro.

“Quanto aos vistos gold já concedidos, se se tratar de investimentos exclusivamente imobiliários, só haverá lugar a renovação se forem habitação própria e permanente do proprietário ou do seu descendente, ou se for colocado imóvel duradouramente no mercado de arrendamento”, explicou o chefe do Governo.

O anúncio levou a uma corrida aos últimos vistos, de acordo com o Observador. Enquanto isso, o setor da promoção imobiliária não está satisfeito com a decisão e ainda acredita nas vantagens do regime.

“Estamos a deitar fora 650 milhões de euros por ano por uma questão ideológica. Não podemos ter políticas de habitação com motivação ideológica. Isto é embirração, não é mais habitação”, disse Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa da dos Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), em declarações ao jornal online.

A torneira dos vistos fechou. Os que ainda existem terão de provar que usam os imóveis comprados para habitação própria e permanente ou que as casas estão no mercado de arrendamento.

“Quem está a avançar para investimentos nesta altura, decidiu fazê-lo com a expectativa de garantir o visto gold. Se no dia 16 de março for tudo alterado, as pessoas vão ter problemas enormes”, avisa a advogada Raquel Roque.

A especialista explica que há promotores à espera que as câmaras emitam licenças de utilização. Sem elas, não podem fazer a escritura. Os promotores “não têm culpa que as entidades demorem tempo a emitir as licenças”, frisa a advogada.

Raquel Roque prevê uma corrida aos tribunais assim que a medida entrar em vigor. De um lado, poderá haver “abertura de processos contra os promotores e construtores” e, por outro lado, “de ações administrativas dos investidores contra o Estado”. Não se exclui a hipótese de uma ação coletiva contra o Estado.

Ao Observador, Hugo Santos Ferreira lembrou ainda que há casos de investidores que quiseram comprar um apartamento turístico e não uma casa. “Agora o Governo vai obrigá-lo a renovar o visto com uma coisa que ele não comprou e que não quer?”, questiona o presidente da APPII. “Essa pessoa terá de ser ressarcida do que não vai receber nos próximos anos”.

Os vistos gold foram concebidos desde 2012 para cidadãos não pertencentes à União Europeia, como parte de um esforço para reparar as finanças públicas após o resgate da troika no ano anterior. Desde então, Portugal arrecadou 6,8 mil milhões de euros, com 90% desse dinheiro a ir para imóveis.