“No meu país não é assim”: portugueses faltam (demasiado) às consultas – e não avisam

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900 mil primeiras consultas desperdiçadas. Só num hospital, 15% não apareceram. Diversos motivos na origem das falhas.

“Todos os dias algum utente falta e fico ali sozinha no consultório. Ainda hoje houve utentes que faltaram. No país onde trabalhava não era assim, nunca faltavam”.

O desabafo foi deixado ao ZAP por uma médica estrangeira, já há alguns meses, que estava claramente surpreendida por reparar que todos os dias algum utente faltava a uma consulta.

A médica estrangeira estava surpreendida – mas essas falhas não são surpreendentes em Portugal.

Em 2021, Eduardo Costa já alertava no portal Netfarma que havia muitas consultas de especialidade nos hospitais públicos portugueses que nem começaram porque o utente não aparecia.

O professor e investigador em Economia da Saúde lamentava o desvio, uma capacidade não aproveitada, entre as consultas marcadas e as consultas realizadas.

No geral, as estimativas apontavam para um milhão de consultas (no mínimo) por ano que não se realizavam por causa da ausência do utente.

Só em 2018 e só num hospital, o Centro Hospitalar de Lisboa Norte, mais de 135 mil consultas foram anuladas porque o utente não apareceu; é mais de 15% do total de consultas.

No mesmo ano, 2018, as ausências por falta do doente foram 50 vezes superiores às consultas não realizadas devido a greves de profissionais de saúde.

Entre as 2 milhões de consultas de especialidade entre 2014 e 2019, para oftalmologia, ortopedia e otorrinolaringologia, 13% dos doentes não foram.

Números novos

Nesta segunda-feira o jornal Público actualiza os dados: entre 2019 e 2023 foram desperdiçadas 900 mil primeiras consultas de especialidade nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Sim, porque os doentes faltaram.

A percentagem não difere muito do que já era a tendência nos anos anteriores: 15,7% do total de primeiras consultas.

Estes são números apenas de primeiras consultas. Ao longo de 2023 destacou-se oftalmologia: 29 mil ausências.

Os dados foram disponibilizados pela Direcção Executiva do SNS.

Porquê?

Além de não irem, não avisam. Muitos milhares de doentes não aparecem na consulta e não indicam previamente que vão faltar – o que daria vaga para outro doente que pode estar à espera há meses por uma consulta.

O especialista Eduardo Costa começa por responder, ao indicar factores externos: meteorologia, a distância aos hospitais ou greves de transportes.

Outro motivo é o tempo de espera no serviço público e, mesmo com consulta marcada, o utente procura um hospital privado – mas não cancela a marcação no SNS.

Mas muitos utentes não vão porque… esquecem-se. Já passou muito tempo desde que a consulta foi marcada, não apontaram na agenda, e não vão.

O que fazer?

Precisamente para este último (e alargado) grupo, Eduardo Costa já tinha sugerido enviar notificações para o telemóvel para lembrar o utente que há consulta em breve.

Hoje em dia há diversos hospitais – e centros de saúde – que fazem isso: enviam SMS para recordar a marcação. Embora ainda não aconteça em todos os hospitais, está a diminuir a percentagem e esquecidos.

Quando alguém falta, não é castigado a nível financeiro. Não há multa. Mas há outra forma de tentar combater estas falhas: tal como poderá acontecer em França, impôr uma sanção de 5 euros a quem faltar a uma consulta sem avisar antecipadamente.

No privado…

…também há muitos utentes que faltam.

Aliás, a médica que comentou connosco que tem “buracos” na agenda todos os dias trabalha no sector privado.

Pedimos a diversos hospitais privados os dados sobre este assunto; nenhum respondeu.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

2 Comments

  1. Já tentaram ligar para um centro de saúde…? Ninguém atende, é tão simples como isto. Nem para marcar, nem para desmarcar, nem para alterar, nada… Mails, sem resposta…. Funcionários não sabem nada nem tem vagas, nem sabem quando tem, não sabem nada e pouco conseguem resolver. Se não tiver medico de família então é um completo outsider no sistema e não tem direito a nada… Como é que estas noticias jogam com filas de espera nos centros de saúde desde as 5 da manhã?
    Não se entende.
    O que se entende é que o Caos na saúde é total e está a níveis não sustentáveis. Será que a medica que ficou sem fazer nada foi saber se tinha outra pessoa que pudesse atender? aposto que não.
    Alias as consultas nos centros de saúde hoje em dia, os médicos limitam- se a estar a transcrever informações dos resultados de analises para o sistema… nem olham para os doentes… Não há serviços administrativos?
    é lamentável o estado a que chegamos…

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