“Esfomeador de crianças”. Violência em Gaza deixa o Labour à beira da implosão

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A recusa de Keir Starmer em apoiar um cessar-fogo em Gaza está a dividir os Trabalhistas e a gerar demissões.

As conquências da recente escalada de violência na Faixa de Gaza estão a alastrar-se muito além do Médio Oriente. No Reino Unido, que é um dos principais aliados de Israel, a situação está a causar uma grande divisão dentro do Partido Trabalhista — e há até já demissões em protesto contra a postura do líder Keir Starmer.

O apoio de Starmer a Israel está a gerar uma avalanche de críticas internas, especialmente dada a importância do apoio dos muçulmanos e descendentes de árabes aos Trabalhistas. A demissão do deputado Imran Hussain esta quarta-feira veio precisamente nesta onda.

“Tornou-se claro que a minha opinião sobre a catástrofe humanitária que está a acontecer em Gaza difere substancialmente da posição que adoptou. À data que escrevo, mais de 1400 civis israelitas e mais de 10 mil palestinianos foram mortos no último mês. Este número chocante de mortes deverá crescer à medida que os ataques indiscriminados e o cerco a Gaza continuarem. Acredito que o partido tem de ir mais longe e defender um cessar-fogo“, refere na carta que escreveu ao líder.

Esta demissão junta-se às demissões na semana passada do líder do Conselho de Burnley e 10 outros vereadores. No total, já 50 vereadores renunciaram no meio desta disputa e 18 ministros-sombra desafiaram a posição oficial do partido, que tem resistido aos apelos para defender um cessar-fogo total, refere a Sky News.

Sacha Deshmukh, director executivo da Amnistia Internacional do Reino Unido, também não poupou nas críticas. “Ao não pedir um cessar-fogo imediato, Keir Starmer não está a demonstrar a liderança clara e com princípios que esta crise de décadas necessita”, atirou, acrescentando que é “profundamente decepcionante” que Starmer “não tenha aproveitado este momento para deixar claro que sob sua liderança o Reino Unido seria consistente e rigoroso no apoio ao direito internacional”.

“Um cessar-fogo agora apenas irá congelar este conflito e deixaria os reféns em Gaza e o Hamas com a infraestrutura e a capacidade para levar a cabo o tipo de ataque que vimos em 7 de Outubro”, pode ler-se no comunicado oficial dos Trabalhistas. Em vez disso, Starmer tem seguido a linha dos Estados Unidos e apelado a uma “pausa humanitária” para permitir a entrada de ajuda em Gaza.

A polémica rebentou poucos dias após o ataque surpresa do Hamas, quando Starmer foi questionado o corte de água e eletricidade a Gaza era uma resposta proporcional. “Israel tem esse direito. Obviamente, tudo deve ser feito dentro da lei internacional”, afirmou o líder da oposição.

A justificação de Starmer aos cortes de bens básicos aos palestinianos tornou-se viral nas redes sociais e foi rapidamente criticada, especialmente dado o seu historial profissional como advogado de direitos humanos.

O líder do Partido Trabalhista escocês afirmou que os comentários causaram “muita angústia, muita mágoa e muita dor” nas “comunidades muçulmanas” e em todos os cidadãos que defendem a paz.

Muitos críticos do líder Trabalhista até voltaram a chamá-lo pela alcunha pouco lisonjeira “Kid Starver” ou “esfomeador de crianças”, um trocadilho que teve origem no seu apoio à manutenção de uma medida dos Conservadores que impede que as famílias pobres recebam apoios públicos para além dos dois primeiros filhos.

Historicamente, o Partido Trabalhista apoiou a fundação de um Estado judeu na Palestina em 1917, aquando da Declaração de Balfour. No entanto, o início da ocupação israelita na Cisjordânia após a Guerra dos Seis Dias em 1967 levou a que surgissem vozes mais críticas de Israel no partido.

Recentemente, Jeremy Corbyn, o antecessor de Starmer, adoptou um postura bastante mais dura contra o Governo israelita, tendo até saído no meio de muitas acusações de anti-semitismo.

A ala corbynista nunca foi grande fã do maior conservadorismo de Starmer e o seu apoio incondicional a Israel está a trazer novamente à tona estas velhas divergências.

Esta crise interna ameaça abalar a união frágil dentro do partido, numa altura em que as sondagens para as eleições legislativas do próximo ano dão uma grande vantagem aos Trabalhistas. Uma sondagem de Outubro conduzida pela Opinium estima que 44% dos inquiridos apoia os Trabalhistas, em contraste com apenas 28% que pretendem votar nos Conservadores de Rishi Sunak.

Adriana Peixoto, ZAP //

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