Escândalo de apostas no futebol. Dezenas de jogadores em sarilhos (e não só com a FIFA)

Adam Vaughan/Lusa

Sandro Tonali

Agora, é oficial: o internacional italiano Sandro Tonali, do Newcastle, ficará suspenso 10 meses por envolvimento em apostas desportivas ilegais em jogos de futebol — e não é o único. O escândalo das apostas no futebol voltou.

Tudo começou em agosto com o “Rei dos Paparazzi”, como o conhecem em Itália. Figura controversa dos media, Fabrizio Corona veio a público dizer que um médio da Juventus, Nicòlo Fagioli, sofria de um “sério problema de jogo” e que estava enterrado em dívidas por causa do vício.

A verdade é que Fagioli acabou por ser condenado a sete meses sem jogar futebol após aceitar um acordo e admitir que começou a fazer apostas nos estágios da seleção de sub-21. Rapidamente ficou viciado e com dívidas acumuladas. A julgar pela confissão, ficou a dever às pessoas erradas: “Chegaram a dizer-me: ‘Vou-te partir as pernas‘”, disse.

O jogador até revelou os valores que tinha em débito: “Cerca de 110 mil euros à betar.bet e à Speciali Bet, 1,5 milhões de euros à plataforma ilegal bullbet23.com, 1,3 milhões de euros a outra plataforma ilegal, 17 mil euros a uma agência legal e 31 mil euros a um banco ilegal na província de Como.”

Os excertos do depoimento de Fagioli, partilhados pelo Tuttosport, destacam a dimensão do seu problema com o jogo.

“O pior momento foi entre abril e março de 2023, quando estava tão assustado que cometi um erro durante o Sassuolo-Juventus e fui substituído”, terá dito aos procuradores. “Comecei a chorar quando me sentei no banco, a pensar nas minhas dívidas e nos problemas com as apostas”, disse.

“À noite, já tinha deixado de dormir. Quanto mais o tempo passava, mais as dívidas me assombravam. As minhas dívidas continuavam a aumentar e eu apostava apenas para tentar recuperar. Tinha tantas dívidas que, mesmo que ganhasse, não tiraria nada disso”, confessou.

Pedi dinheiro emprestado a alguns dos meus colegas de equipa, disse que queria comprar um relógio para a minha mãe. [Federico] Gatti deu-me 40 mil euros e ainda tenho de lho devolver. [Radu] Dragusin [agora no Genoa] também me deu dinheiro, assim como alguns dos meus amigos em Piacenza”, disse, garantindo que nenhum dos colegas conhecia a verdadeira razão dos seus pedidos.

E não há uma sem duas — nem duas sem três.

“O Tonali disse-me que também podia”

Dias depois seriam os internacionais italianos Sandro Tonali e Nicolo Zaniolo a receber uma visita de procuradores de Turim. Terá sido Tonali a introduzir Fagioli às apostas.

“Vi-o a jogar e perguntei-lhe o que estava a fazer”, disse Fagioli. “Ele disse-me que eu também poderia fazer isso porque não havia vestígio de apostas”. Tonali nega.

Quanto ao médio do Newcastle, cuja punição foi conhecida esta quinta-feira, Gabriele Gravina, presidente da federação italiana (FIGC), explicou que o jogador, de 23 anos, foi suspenso por um total de 18 meses, mas que irá cumprir uma pena efetiva de 10 meses, e que os restantes oito serão cumpridos em sessões de terapia em centros para jovens jogadores de futebol e associações para viciados em recuperação.

O médio admitiu que apostou em jogos do AC Milan enquanto esteve no clube, entre 2020 e 2023, mas garantiu que nunca o fez em partidas para as quais estivesse convocado.

Sandro Tonali foi suspenso por mais tempo que Fagioli, devido à agravante de ter apostado sempre nas vitórias do Brescia e do AC Milan, quando alinhava nas respetivas equipas, mas beneficiou do facto de ter colaborado com a investigação, tal como o compatriota. O médio italiano, que soma 15 internacionalizações, vai falhar o resto da temporada, e, caso a Itália se qualifique, não marcará presença no Euro2024.

O caso de Zaniolo é um pouco diferente. O ex-jogador da Roma afirma que nunca apostou em futebol, ficando-se sempre apenas pelo blackjack em websites que afirma não saber que eram ilegais.

Depois do enorme escândalo Calciopoli, que acabou com a gigante vecchia signora a descer de divisão após ser acusada de manipular resultados de jogos, através de influências ilegais que mantinham sobre alguns árbitros, Itália vê-se assim novamente apanhada na teia das ilegalidades no futebol.

Segundo o Daily Mail, que cita o Mail Sport, haverão mais de 40 jogadores suspeitos de estarem envolvidos, entre os quais Federico Gatti, Nicola Zalewski, Stephan El Shaarawy e Nicolò Casale.

O amarelo de Paquetá e a “Operação Penalidade Máxima”

Recentemente, Lucas Paquetá, médio do West Ham, viu a sua transferência para o Manchester City cair por terra, tudo por causa de investigações sobre um cartão amarelo suspeito e apostas feitas por familiares, em março.

A quantidade absurda de apostas online que foram registadas na zona do Rio de Janeiro onde Paquetá vivia — muitas delas feitas por familiares e amigos, que apostaram os valores máximos permitidos para Paquetá e o compatriota Luiz Henrique (Real Bétis) levarem amarelo — levantou suspeitas. E quem diria: ambos foram punidos com o cartão amarelo nos respetivos jogos.

No Brasil, a “Operação Penalidade Máxima” levou 11 jogadores a julgamento por manipulação de resultados. Paulo Miranda guardião do Juventude, foi suspenso por mil dias e multado em €13 mil. Três outros jogadores brasileiros foram banidos permanentemente de jogar futebol pela FIFA.

Apostas ilegais: 1,5 triliões movimentados

O fenómeno é preocupante, especialmente considerando que o mercado de apostas ilegais movimentou mais de 1,5 triliões de euros em 2021, segundo dados da ONU. Paralelamente, o mercado de apostas online legais deverá crescer 86% até 2028, alcançando 108,4 mil milhões de euros, segundo estimativas da Statista.

Em Portugal, as apostas desportivas online atingiram mais de 4 mil milhões de euros entre 2018 e 2022. O futebol é o desporto mais apostado, com 76% do total de apostas online.

Apesar de não haver tantas notícias de apostas ilegais em Portugal, há indícios de que o fenómeno está a crescer.

Em 2017, recorda a revista Sábado, um jogo entre Feirense e Rio Ave levantou suspeitas devido à quantidade anormal de apostas vindas da Ásia. Quatro jogadores do Rio Ave foram constituídos arguidos.

O guarda-redes Cássio e os defesas Roderick, Marcelo e Nadjack foram os futebolistas constituídos arguidos no âmbito da investigação. De acordo com a SIC, os jogadores foram aliciados para perder na época passada no terreno do Feirense, em jogo da 20.ª jornada do campeonato disputado a 6 de fevereiro, que terminou com vitória da equipa da casa, por 2-1. Os quatro foram titulares nesse encontro.

Tomás Guimarães, ZAP //

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