A epidemia de obesidade pode ter um culpado inesperado

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Ehimetalor Akhere Unuabona / Unsplash

A epidemia de obesidade está cada vez mais fora de controlo e, embora muitos culpem os alimentos ultraprocessados, pode haver outro culpado inesperado.

Esta história começa num local invulgar para um artigo sobre nutrição humana: uma sala apertada, húmida e quente algures no edifício de Zoologia da Universidade de Oxford, em Inglaterra, cheia de algumas centenas de gafanhotos, cada um na sua própria caixa de plástico.

Foi aí, no final da década de 1980, que os entomologistas Stephen Simpson e David Raubenheimer começaram a trabalhar juntos em algo curioso: criar estes insetos notoriamente vorazes, para tentar descobrir se eram comedores exigentes.

Todos os dias, Simpson e Raubenheimer pesavam cada gafanhoto e davam-lhe quantidades precisas de alimentos em pó com proporções variáveis de proteína e hidratos de carbono. Para sua surpresa, os jovens cientistas descobriram que, independentemente da comida com que os insetos eram alimentados, acabavam por ingerir quase exatamente a mesma quantidade de proteína.

De facto, os gafanhotos que se alimentavam de alimentos pobres em proteína comiam tanto mais para atingir o seu objetivo proteico que acabavam por ficar com excesso de peso – não gordos por fora, uma vez que o seu exoesqueleto não permite protuberâncias, mas cheios de gordura por dentro.

Inevitavelmente, isto fez com que Simpson e Raubenheimer se perguntassem se algo semelhante poderia estar a causar o aumento documentado da obesidade nos seres humanos. Muitos estudos tinham referido que, mesmo quando o nosso consumo de gorduras e hidratos de carbono aumentava, o nosso consumo de proteína não aumentava.

Será que, tal como os gafanhotos, somos levados a comer em excesso, no nosso caso pelos irresistíveis alimentos ultraprocessados e com baixo teor de proteína que se encontram nas prateleiras das lojas onde fazemos a maior parte da nossa compra de alimentos? É o que defendem Raubenheimer e Simpson, ambos atualmente na Universidade de Sidney, no seu recente livro “Eat Like the Animals” e numa síntese publicada na Annual Review of Nutrition.

Os dois cientistas começaram a estudar muitas espécies diferentes de insetos e descobriram que também elas tinham a capacidade de regular a ingestão de proteína e hidratos de carbono e que a proteína era frequentemente, mas nem sempre, o nutriente prioritário.

Neste momento, já estudaram espécies desde gatos, cães e primatas a peixes em aquicultura, bolores viscosos e seres humanos, numa variedade de contextos – desde a compreensão da saúde e da doença à otimização da alimentação animal e à biologia da conservação.

Em humanos, descobriram que quando temos um baixo teor de proteína, como é o caso de uma dieta com 10% de proteína, temos níveis elevados de uma hormona chamada FGF21, que é libertada principalmente pelo fígado.

O que Raubenheimer e Simpson demonstraram em experiências com ratos e confirmaram em humanos é que a FGF21 ativa o comportamento de procura de sabores, que é um indicador de ingestão de proteína.

“Se tiver essa resposta e a coisa salgada mais próxima for um saco de batatas fritas com sabor a churrasco, isso é um engodo proteico. Será mal orientado para comer isso, mas não obterá qualquer quantidade substancial de proteína. Continuará a ter fome de proteína e terá de comer mais para satisfazer esse apetite proteico. Isto significa que está a acumular calorias em excesso, e é precisamente isso que nos acontece no nosso ambiente alimentar moderno”, explica Simpson à Knowable Magazine.

Nos últimos anos, os dados de inquéritos à população revelaram que a pessoa média nos EUA, Austrália ou Reino Unido obtém mais de metade das suas calorias de alimentos altamente processados – em alguns casos, 90% ou mais.

À medida que a proporção de alimentos ultraprocessados na dieta aumenta, a ingestão de proteínas mantém-se praticamente a mesma, mas a ingestão de energia aumenta abruptamente devido à diluição das proteínas pelas gorduras e hidratos de carbono presentes nestes alimentos.

Assim, este apetite proteico descoberto inicialmente nos gafanhotos também funciona em nós. No nosso ambiente alimentar moderno, leva-nos a consumir energia em excesso, o que cria um ciclo vicioso.

O que os peritos descobriram é que, à medida que as pessoas ganham peso a mais, o seu metabolismo fica desregulado. Os seus tecidos tornam-se menos reativos à insulina, que normalmente regula o metabolismo das proteínas. Isto torna o metabolismo proteico menos eficiente, fazendo com que o corpo quebre os tecidos magros, como os músculos e os ossos, e queime proteína para produzir energia.

Isso aumenta o objetivo proteico das pessoas, que comem ainda mais, engordam mais, ficam ainda mais desreguladas do ponto de vista metabólico, começam a desejar mais proteínas, e assim em diante.

Desde então, os cientistas pegaram nessa ideia e utilizaram-na num artigo publicado no final do ano passado para propor uma nova compreensão da razão pela qual as mulheres têm tendência para engordar durante a menopausa.

Trata-se de um período em que as taxas de degradação das proteínas aumentam acentuadamente nos ossos e nos músculos devido ao declínio das hormonas reprodutivas.

Todos os três macronutrientes – gordura, hidratos de carbono e proteína – contêm calorias, pelo que podemos queimar qualquer um deles para obter energia e podemos utilizar qualquer um deles para produzir glicose, que é o combustível preferido das nossas células e do nosso cérebro.

Mas só a proteína tem azoto, de que necessitamos para muitos outros fins, desde a manutenção das nossas células até à produção de descendentes.

“Resta saber porque é que não a comemos em excesso. Porque é que ingerimos menos calorias do que as necessárias numa dieta rica em proteína, em vez de comermos proteína em excesso? Para nós, isso implica que há um custo em comer demasiada proteína e propusemo-nos a descobrir esse custo nas moscas da fruta”, descreveu Simpson.

Os autores conceberam uma experiência em que confinaram mil moscas a uma de 28 dietas que variavam na proporção de proteína e hidratos de carbono, os dois principais macronutrientes para as moscas.

O que descobriram foi que as moscas viviam mais tempo com uma dieta pobre em proteína e rica em hidratos de carbono, mas punham mais ovos com uma dieta rica em proteína e pobre em hidratos de carbono. Finalmente, uma dieta muito rica em proteína não foi melhor para nenhum dos resultados.

Depois, fizeram a mesma experiência em ratos. Para tal, tiveram de acrescentar a gordura como um terceiro nutriente à dieta alimentar. Isso implicou um enorme estudo. Pegaram em mais de 700 ratos e colocaram-nos numa de 25 dietas diferentes, variando a concentração e a proporção de proteína, hidratos de carbono e gorduras.

Essa foi a primeira de toda uma série de enormes experiências com ratos, em que analisaram diferentes tipos de hidratos de carbono, diferentes proporções de aminoácidos, etc. A conclusão foi que os ratos viviam mais tempo com dietas pobres em proteína e ricas em hidratos de carbono, mas reproduziam-se melhor com dietas ricas em proteína e pobres em hidratos de carbono – muito semelhante às moscas.

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