Dulce, Clara, Maria: três decisões semelhantes, três mães que deixaram o emprego fora de casa, três contextos para conhecer.
A proposta vai ser apresentada em breve, em Maio: o estatuto legal e fiscal de “mulher dona de casa”, que quer ajudar mulheres que estão em casa a cuidar dos filhos – e que não têm um emprego (ou trabalham a tempo parcial) por causa disso.
O rendimento mensal certo seria para essas mulheres terem independência económica e protecção social na velhice. Só para mulheres; os homens não têm direito.
Fomos ouvir a opinião de três mulheres que estão nessa situação: decidiram deixar o emprego que tinham fora de casa para cuidar dos filhos ou filhas – também já falámos com um homem.
Dulce, Clara, Maria: três decisões semelhantes, três contextos para conhecer, muitas perspectivas para interiorizar.
Dulce discorda
Dulce Cruz é uma apaixonada por questões da maternidade, da infância. Formadora de pais e profissionais, especialista na abordagem Pikler, criou a comunidade Erva Daninha dedicada precisamente à parentalidade.
E é mãe.
Contou ao ZAP que tem duas filhas: uma de 6 anos, outra com 15 meses – aliás, a mais nova também se fez ouvir várias vezes, na conversa ao telefone connosco. Quando nasceram, ficou claro que elas seriam a prioridade.
“Não era esse o plano”, admite. Mas quando nasceu a segunda filha, a decisão foi mesmo passar a estar a tempo inteiro dedicada às filhas. Sem emprego fora de casa.
A proposta do estatuto: “Há muito, muito, muito a dizer. É absolutamente polémica. Não entendo o termo “dona de casa” quando se fala sobre criação de filhos. E não concordo com o facto de ser só para mulheres“.
No geral, e como foi rápido perceber, Dulce discorda da proposta. Até porque é do Movimento Acção Ética, um grupo conservador. Logo aí… Mas admite que a sua base podia ser muito interessante na sociedade: “Assumir como trabalho remunerado o cuidar da casa e dos filhos, seria justo”.
Mas tem ideia alternativa: “Se é um subsídio, seria muito mais útil aumentar o subsídio de parentalidade, com no mínimo de 1 ano em casa e com uma remuneração decente. Ou então, se olham como um trabalho: quem define que trabalho é esse, quem define as tarefas nesse estatuto?”.
A proposta traz a tal base interessante (a pessoa receber dinheiro por ter escolhido cuidar dos filhos) mas traz um risco: “Parece-me que há um risco muito grande de cairmos no patriarcado. Os homens propõem a lei por um trabalho que é muito difícil de mensurar e, no fim do dia, serão os homens a analisar se o trabalho está feito. É isso? Claro que há o risco de voltarmos aos tempos do ‘a mulher é para estar em casa’. As leis são curtas, pouco claras e pouco inclusivas . É preciso que sejam feitas com muito cuidado, com muita inclusão, esclarecimentos sobre o tema”.
Dulce Cruz considera que um homem pode ser uma dona de casa, uma doula. Por isso, vê como uma “armadilha” a frase de um dos impulsionadores da ideia, Paulo Otero – “Há coisas que só as mulheres podem fazer. Há afectos que só a mãe pode dar, por mais presente que seja o pai“.
E explica: “Não pode ser um homem a definir o que uma mulher faz; tem de ser o casal. Os bebés precisam maioritariamente da mãe quando nascem, a nível biológico. A frase é verdadeira mas está formulada de uma maneira que permite o caminho perigoso que indica que o sítio das mulheres é em casa, a tomar conta dos filhos”.
Dulce é defensora, acima de tudo, da liberdade de escolha: “Nos 50 anos do 25 de Abril, se queremos ter liberdade, a liberdade é de escolha. Não pode ser um homem a definir este estatuto, não pode ser a mãe a definir o que é um pai participante”.
Até para evitar momentos como os que tem ouvido, noutras famílias: “As mulheres nesta situação queixam-se e não são ouvidas; e ouvem ‘se foste tu a escolher, porque te queixas? Não te queixes e põe os teus filhos na creche’. Ou então o outro extremo, de mães que trabalham e que queriam estar mais tempo com os filhos, e menos no trabalho; também ouvem ‘mas tu é que escolheste ir trabalhar, por isso não te queixes'”.
Voltando à conversa sobre a remuneração prevista na proposta, Dulce reforça que concorda com um “rendimento para as pessoas, não com um rendimento para as mulheres”.
Ser mãe, classifica, além de ser o trabalho mais difícil, é o “trabalho mais produtivo do planeta”. Mas “infelizmente vemos produtividade só sobre algo que gera dinheiro. É mais profícuo uma educadora a cuidar de quatro crianças do que uma mãe a cuidar de uma. Porque só olhamos para o dinheiro”.
Dulce vê cada vez mais mulheres a optar por deixar de ter um emprego fora de casa para cuidarem dos filhos: “Já era hora de entendermos que estas mulheres precisam e merecem remuneração”.
Então, na sociedade actual, como é vista a decisão de ficar em casa? Para alguns é um privilégio; na maternidade os direitos são escassos, escolher é um privilégio. Para outros é uma escolha preguiçosa”.
Seis anos depois, Dulce Cruz está confortável e tranquila com a decisão; não mudaria nada.
Clara: bastante interessante, mas…
Clara Megre é educadora de infância, formada em Montessori e mais tarde passou a ser formadora, centrada precisamente no Método Montessori, a perspectiva educacional desenvolvida por Maria Montessori – centrada na criança.
E é mãe.
Quando foi mãe em 2021, alargou a sua licença de maternidade. Até esteve para voltar ao emprego – “que adoro” – mas a certa altura pensou: “Estou aqui a pregar que os primeiros 3 anos são tão importantes e eu iria abandonar a minha filha. Eu iria estar 8 horas por dia com outras crianças e ela iria estar 8 horas por dia com outra pessoa”.
Clara reforça a importância dos primeiros 6 anos da criança, sendo que os primeiros 3 são fundamentais. Foi muito por causa disso que surgiu esta decisão a dois, em família, de abandonar o emprego. Algo que, ao contrário de Dulce, já estava pensado há anos. Desde cedo abordaram essa opção de ela ficar em casa, foi um assunto comentado ainda antes do nascimento da sua filha. O casal construiu a sua vida já a pensar nesta nova rotina, há anos que as decisões de vida foram pensadas em estarem mais próximas dos filhos.
O casal fez contas à vida e reparou que “havia muitas mais vantagens em ficar em casa com ela, em acompanhá-la. Tem os seus desafios, mas é um privilégio e traz muitas coisas boas”. O marido trabalha em casa e ajuda-a nesta “jornada maravilhosa”.
Não há vida social? Passou a haver uma aposta (importante) no convívio com outras mães que estão na mesma situação, nem que seja proximidade digital. Desde muito cedo encontrou esta “rede de apoio, para apoiar a mãe enquanto mãe, não para me ajudarem a cuidar da filha”. É um suporte mútuo, muito importante. “Sem este apoio, sem este contacto, teria sido muito difícil, mesmo com a presença e apoio do marido”, admite.
“É o melhor trabalho que podemos fazer”, assegura, ao mesmo tempo que reconhece que por muito que a escola e os educadores tenham o maior empenho e dedicação, o “maior amor e respeito” pelas crianças, o cuidado não é o mesmo: “É difícil, não há aquele um para um, as crianças acabam sempre em algum aspecto por não ficar… As ideias não são tão cumpridas”.
Em relação ao estatuto de dona de casa: “A medida em si é bastante interessante. Mas agora, claro, estarmos aqui a excluir os homens desta medida não faz sentido algum. Os pais têm tanto direito; e têm tanto estima e amor pelos filhos. Deve ser a família a responsável pela decisão, por escolher quem fica em casa”.
A exclusão dos homens, considera Clara, é resultado da uma “construção da sociedade”. Concorda que há certas coisas que só a mãe consegue fazer, como a amamentação. “Mas o amor, a consideração, o carinho, o acompanhamento é de ambos”. Por isso, deixar os homens fora da proposta é uma “discriminação contra os homens e a continuação da ideia de que só a mulher pode cuidar dos filhos”.
Voltar ao seu emprego é uma possibilidade, mas não para já. Até porque está grávida e vai repetir a escolha: ficar em casa para cuidar dos dois. “Não diria vai ser sempre assim. Talvez quando o mais novo ou mais nova tiver 18 anos, ou se estiverem já todos mais decididos e orientados para a vida, aí vou abrir uma escola Montessori…”, comenta entre sorrisos. Mas será num futuro “não tão próximo”.
Maria acha muito bem
Maria Matos vem de um contexto bem diferente: é enfermeira. E trabalhava sob condições “pouco razoáveis humanamente, entrava à hora da missa e saía quando Deus quisesse” – e ganhava o mesmo, independentemente das horas extraordinárias.
E é mãe.
Parir e alguém cuidar da filha por ela era algo que a “afligia”, que não queria. Sabendo que cada caso é um caso. Até o da sua mãe: “Eu tinha 2 meses e a minha mãe foi trabalhar; e está tudo bem, cada um faz o que pode e o que consegue”. Mas, olhando para o seu caso, entre os horários enquanto enfermeira e a necessidade de, ou creche, ou escola, ou ama… “E eu queria muito cuidar da casa“.
A decisão de ficar em casa surgiu quando a primeira filha nasceu (há 8 anos). Não foi planeado. Primeiro, estendeu ao máximo a licença de maternidade, depois foram 2 anos em licença sem vencimento. “E decidi ser dona de casa, assumir esse papel, mãe a tempo inteiro. Percebi que o meu lugar era ali, com a minha filha” – que só foi para a escola aos 4 anos”.
Acha que essa função é um “privilégio” e é “muito mais difícil do que trabalhar fora – mas mais aprazível. Além disso, tinha (e tem) “muitos anos pela frente” para ser enfermeira. Ser mãe com recém-nascidos, e nos primeiros anos, só é possível naquele momento, naqueles anos.
Não queria que as sua crianças crescessem à pressa. Não critica as rotinas de outras pessoas, mas não se encaixa noutros pensamentos: “Os pais têm pressa para irem para a escola porque querem conviver já, porque a mãe quer ir à manicure. Para mim, isso não faz sentido nenhum”.
Tendo noção de que é necessário para tanta coisa, diz que o dinheiro “não é nada” e não procura luxo na sua vida. Questiona: “Vale a pena não ter vida e ter 900 euros na conta? E depois gastar dinheiro na creche, ou numa pessoa em casa… Prefiro não ter luxos nenhuns. A ascensão social vale zero à beira da importância de estar com as filhas”.
Essa decisão afastou Maria dos seus familiares: “Não eram contra, mas o sentido crítico do português é muito aguçado, criticam logo. O meu lema é: ‘Quando não tens nada de bom para dizer, cala-te’. A minha decisão foi só: eu estar com a minha cria. Fui alvo de muitas críticas nesta nossa decisão. ‘Então e o teu trabalho, o que vais fazer?’ – não me importo de ir dobrar camisolas daqui a 10 anos, mas ninguém me tira o tempo que já tive com elas”.
“Mantivemos a decisão de uma forma muito solitária“, assume, enquanto dá outro exemplo, olhando já para um futuro algo longínquo: “Quando eu for avó (sabendo que posso estar a cuspir para o ar), eu vou dizer às minhas filhas ‘Fica com o teu filho e dá-me a panela para eu fazer a sopa’. Mas o que eu ouvia era ‘dá-me o bebé e vai fazer a sopa'”.
“Tive de ligar a televisão para fazer sopa, muitas vezes. Houve e há muitas falhas, muitas lacunas. Mas era eu que estava ali com ela em casa, era eu que a punha a dormir, a dar de mamar, a dar-lhe banho… Era eu. E o meu marido. Tive esse privilégio. Ainda hoje vou levá-las e buscá-las à escola. Dá prazer, gosto e trabalho. Mas não faria sentido trabalhar até às 3h da manhã e não vê-las a crescer”.
Nesse contexto, e voltando aos tempos de enfermeira, confessa um choque que teve: “Chocava-me que as minhas antigas colegas pedissem uma creche no hospital que só fechasse depois da meia-noite. Querem ser mães mas querem que o filho ou filha fiquem com alguém até depois da meia-noite. Eu preferia deixar de ser enfermeira e ir para as limpezas, para estar com as minhas filhas”.
A vida social… “Eu tenho poucas amigas. Respeito as outras formas de viver, mas sinto que não respeitaram a minha. Não tenho vontade de ir beber um copo, prefiro ficar com as miúdas”.
“Profissionalmente faço muita coisa mas não sou reconhecida socialmente, pelo Estado, pela sociedade… Dizem-me que sou uma dondoca e que não faço nada“. Embora, reconheça, tem “ciúme” por outras profissões que são reconhecidas, nem que fosse um reconhecimento oral de “olha, o trabalho foi bem feito” – e já nem fala da parte monetária.
“Muitas pessoas dizem-me ‘tu anulaste-te’. Dá-me vontade de rir. Não me anulei: adiei. Daqui a 10 anos vou ter tanto tempo para fazer outras coisas. Agora a prioridade é esta”. Sendo assim, não está absolutamente nada arrependida, ou reprimida: “Adoro este meu papel, elas ensinam-me tanto, e adoro estar disponível para tudo. Daqui a 20 anos elas lembram-se da disponibilidade da mãe, ou como um filho se vai lembrar do pai que jogava à bola todos os dias com ele ou ela depois de sair da escola”.
“Não faz mal se eu nunca mais for enfermeira. Hei-de ser para sempre mãe”.
E pronto. O diálogo acabou. Oh, faltava falar sobre… o estatuto de dona de casa. A própria Maria classificou-se como “tagarela” e a conversa foi desviando, ao ponto de nem se falar sobre a proposta do Movimento Acção Ética.
Segundo telefonema, para ouvir uma resposta directa. E diferente das duas anteriores: “Acho muito bem. Já nem falo no apoio mensal, que conseguimos com gestão e cedência de luxo. Mas em termos de velhice, faz todo o sentido. A independência é boa e o contributo é a sensação de que… É que eu sinto que a sociedade me vê como um ser inútil, que não contribui nada para nada, que não sou produtiva, que não sou contributiva”.
“Às vezes sinto-me um estorvo para o Estado. Não sou reconhecida minimamente”, desabafa.
Só não concorda – tal como Dulce e Clara – com a exclusão dos homens. Concorda que mãe é mãe, pai é pai. “Mas não acho justo que, seja qual for o motivo, um homem não seja reconhecido de igual forma, por ter tomado a decisão que eu tomei”.
Não acha que a proposta traga o risco de voltarmos aos tempos de “mulher é para ficar em casa”. Porque esse risco “haverá sempre”, mesmo sem proposta. “A ideia em algumas pessoas já está lá, a nossa educação, os nossos valores é que ditam. Se a proposta for aprovada, significa que a Humanidade cresceu, não que andou para trás”.
E, nesta parte da conversa, vai de encontro ao que Dulce Cruz sugeriu: “A visão tem que ser educada. Mas pensar antecipadamente que já é um risco é que está errado”.
Maria acha que é “maravilhoso” dar esta oportunidade de ficar em casa com um rendimento mensal. “Infelizmente, acho que é tudo fogo de vista” – e nada vai mudar.
Gostaria de acrescentar que a diferença entre homens e mulheres, ao contrário do que é dito em cima na entrevista, onde apenas é referida a amamentação; há 3 partes que APENAS as mulheres podem fazer, que são:
1- a gestação
2- parto
3- amamentação
Isto remete-nos para outra questão mais ancestral que o estatuto de dona de casa, pois sim, este pode e deve ser atribuído e de preferência em partilha de tempo pelo casal, É atrofiante fechar uma pessoa em casa. É mais saudável reduzir o tempo diário de trabalho de cada parte do casal, com a compreensão que a outra parte do tempo é atribuída ao cuidar da família e ao lar.
Voltando á parte anterior a tudo isto, quem gesta a família, cada ser humano, a mulher. A mulher já está a fazer um trabalho gigante ao gestar um ser humano. É uma carga de energia imensa que é produzida pela mulher e esta não devia ter que fazer mais nenhum trabalho extra. O mesmo se aplica à energia dispendida no parto, a recuperação digna do puerpério. E o mesmo para a amamentação. O trabalho físico ou intelectual é pago, mas a estes trabalhos que a mulher realiza, pois trabalho significa produção de energia, nós realizamos sem atribuição de valor.. É como ter vários trabalhos em simultâneo. Um dia a fatura recai sobre a nossa saúde. e relembro-nos mulheres, já não somos aqueles animais de carga numa bata aos quadradinhos, somos de uma nova geração, onde o Burnout se intala sem darmos conta. Cuidado!
Este tex6to serve para explicar muitas coisas também aos Sr da Prozis, Fantástico o dia da fecundação. Mas de seguida vem a gestação, o parto e a amamentação e o cuidar. Quando estas condições não podem ser satisfeitas em plena dignidade física e moral pela mulher, esta deve sim recorrer ao aborto. Pelo seu bem e do futuro Ser, pois quem tem esta compreensão também sabe que esta alma irá reencarnar noutro corpo. De forma mais digna para todas as partes envolvidas.