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“Fomos a um berçário com a minha filha de 2 meses. Nesse dia, desistimos da ideia do berçário”

Arquivo pessoal / Dulce Cruz

Dulce Cruz

Em Portugal, na maternidade “estamos a falhar como sociedade”. A segunda parte da entrevista a Dulce Cruz, ou ‘Erva Dulce’.

Foi na sequência de uma conversa com Dulce Cruz que estaria centrada no “estatuto de dona de casa”. Mas, tal como as cerejas…

Esta apaixonada por questões da maternidade – e mãe – defende acima de tudo que é preciso “garantir a liberdade das pessoas e o apoio necessário”, neste caso nos assuntos relacionados com a maternidade.

“Em Portugal, na maternidade estamos a falhar como sociedade”, avisa ‘Erva Dulce’, nesta conversa com o ZAP.

ZAP – Falaste nas mães isoladas, que ficam sozinhas no cuidar da criança. O que falta para mudar essa rotina?
Dulce Cruz – Falta uma valorização económica do cuidar; e não só na infância. A nossa sociedade valoriza muito pouco o cuidado, em detrimento da produtividade.

ZAP – É preciso o quê?
Dulce – É preciso que as instituições sejam realmente sítios de cuidado, e não de depósitos de crianças; maior rácio de adultos para cada criança; maior atenção a cada criança; diversificar as instituições, com outras pedagogias; mais amas credenciadas; criar o estatuto da nanny, a pessoa que fica em tua casa com o teu filho durante algumas horas. Cuidar da criança, até aos 3 ou até aos 6 anos, deveria ser algo muito valorizado, inclusive a nível monetário. E não é.

ZAP – Porquê?
Dulce – Porque os bebés não geram dinheiro instantaneamente, ou directamente. Geram através da puericultura: o comércio atira minhentas de necessidades para cima dos pais – e os bebés não precisam de nada. Os bebés precisam de afecto, de atenção.

ZAP – Como foi o processo com a tua primeira filha?
Dulce – Ela nasceu há cerca de 6 anos e meio e, na altura, tínhamos combinado que ela iria para um berçário aos 6 meses. Fomos a um berçário quando ela tinha mais ou menos 2 meses – e nesse dia desistimos da ideia de a colocar num berçário.

ZAP – Desististe no próprio dia? Porquê?
Dulce – Foi uma sensação… Como é que ponho isto em palavras… Vou-te dizer o que eu vi: uma sala fechada, talvez com menos de 15 m2, com quatro bebés lá dentro. Duas espreguiçadeiras e quatro berços. Dois bebés estavam nas espreguiçadeiras, com o cinto preso, e portanto estavam a olhar à volta naquela posição reclinada. Um dos bebés saiu com a educadora, talvez para mudar a fralda; outro estava a ser alimentado. Era um bocadinho escuro. A primeira sensação que tive foi: isto não é a vida, isto não é crescer, isto não é um ambiente de crescimento feliz para o bebé. Senti aversão. E pensei: não quero que a minha filha passe o dia aqui, entre o berço, a espreguiçadeira, o colo da educadora. Ao almoço, havia uma educadora para cinco ou seis crianças em fila, numa cadeira alta, que ia dando uma colher a uma, uma colher a outra… Não era assim que eu queria que a minha filha fosse alimentada. Foi o meu instinto. Mais tarde, aos 2 anos, ainda vimos mais creches.

ZAP – E que tal?
Dulce – Confirmou-se que os cuidados estão altamente mecanizados, despersonalizados. Falamos de “humanização” de tudo, mas é sarcástico usar esse termo. Nós somos humanos!

ZAP – Como foi o crescimento da tua filha então?
Dulce – Quando ela tinha 1 ano, tive a sorte de conhecer uma nanny, que no início ficava com ela algumas horas por dia, alguns dias por semana; aos 3 anos passou a estar 4 horas por dia, 4 dias por semana. Aí, aos 3 anos, ela parecia estar preparada para o jardim de infância, mas não funcionou. Desistimos. Aos 4 anos tentámos e desistimos outra vez, a adaptação não correu bem.

ZAP – Pensaram em nunca mais ter filhos.
Dulce – Sem rede de apoio, sem comunidade (porque nunca ninguém nos disse que precisávamos de rede de apoio)… Dissemos que não íamos avançar para uma segunda filha.

ZAP – Mas já têm duas filhas.
Dulce – Aos 4 anos ganhámos ânimo. Mas agora já com expectativas muito diferentes: ela vai para a escola se der sinais que quer ir, o essencial é estar com ela e aproveitar… Mas não é fácil: abdiquei de muito, o pai delas sacrificou bastante.

ZAP – Estás confiante no que vem aí em Portugal, sobre a maternidade?
Dulce – Politicamente sou pessimista: nada muito positivo vai acontecer nos próximos tempos. No entanto, as mães têm cada vez mais força, mais voz. Isso está a acontecer nas redes sociais, na rua. Vejo mais mães que estendem a sua licença sem medo, mais pais abdicam um bocadinho para estarem com os filhos e libertarem as mães, vejo mais licenças partilhadas… Aí, na sociedade, nas pessoas, acho que está a haver uma transformação. Mais exigência nas creches, mais diálogos com as instituições, mais sentido crítico e mais dedicação ao que é ser criança. São cada vez mais e acho que isso vai ter peso nos próximos anos.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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