A ministra da Saúde invalidou esta quinta-feira um regulamento da Entidade Reguladora da Saúde sobre a transferência de utentes entre prestadores de cuidados de saúde, decisão já contestada pelo regulador, que diz ser um ato “fora das suas atribuições”.
Num despacho esta quinta-feira publicado em Diário da República, a ministra da Saúde, Marta Temido, declara a invalidade do regulamento n.º 964/2020, de 16 de outubro, da Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Este regulamento tinha sido publicado no Diário da República no passado dia 3 de novembro.
A decisão foi contestada pela Entidade Reguladora da Saúde que, em comunicado, afirma que a ministra da Saúde “não tem competência legal para declarar a invalidade de um regulamento de uma entidade administrativa independente”.
“A ERS não pode deixar de manifestar a sua surpresa em relação à declaração da senhora ministra da Saúde, mais ainda quando a publicação do regulamento foi antecedida de um longo procedimento administrativo de elaboração, discussão e aprovação, com envolvimento e participação dos vários agentes do setor”, recorda.
O despacho da ministra refere que o regulamento da ERS, que estabelece regras relativas ao processo de transferência de utentes e define os mecanismos organizacionais que possibilitam a coordenação e articulação entre os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, “não se enquadra nas funções legal e estatutariamente previstas” para a entidade reguladora.
Adianta que não corresponde à sua missão nem aos objetivos e poderes que lhe são cometidos e como tal “não pode ser objeto dos poderes de regulamentação previstos para a ERS”.
Nesse sentido, conclui que se trata de “um regulamento administrativo inválido, por força da sua desconformidade com a lei e os princípios gerais de direito administrativo”, lê-se no despacho, que produz efeitos retroativos à data da publicação do regulamento.
A ERS esclarece que o regulamento foi emitido ao abrigo dos seus poderes regulamentares: “Os regulamentos são um instrumento fundamental para o cumprimento da missão da ERS enquanto entidade reguladora independente” e “não estão sujeitos a aprovação ou autorização do Governo”.
A ERS lembra ainda que o projeto foi submetido por duas vezes a discussão pública e foi levado à discussão do Conselho Consultivo da ERS, integrado, entre outros, por representantes dos prestadores de cuidados de saúde dos setores público, privado e social, de profissionais de saúde, de utentes e pelo membro responsável do Governo pela área da saúde.
“O Ministério da Saúde participou ativamente neste processo, tendo remetido à ERS os contributos de entidades que fazem parte da sua esfera de atuação” e o Conselho Consultivo da ERS emitiu parecer favorável sobre a versão final do regulamento, por unanimidade.
A ERS, que foi notificada a 2 de dezembro desta intenção do Governo, sublinha que em nenhum destes momentos foi suscitada, pelos vários intervenientes, incluindo o Ministério da Saúde, qualquer dúvida sobre a legalidade do projeto de regulamento ou sobre a legitimidade da ERS para o emitir.
Questionado pela TSF, o Ministério da Saúde não explica porque motivo não levantou estes obstáculos durante o processo de consulta pública do regulamento, mas insiste que tem parecer jurídico a dar-lhe razão, que a decisão de “invalidar o regulamento é válida” e que o regulamento nunca chegou a vigorar.
Reitera ainda que é uma entidade “tecnicamente independente”, não sendo por isso sujeita “a superintendência ou tutela governamental” no exercício das suas funções.
“É entendimento da ERS que o despacho da senhora ministra da Saúde, por ser um ato que se situa fora das suas atribuições, não produz quaisquer efeitos jurídicos, nos termos da lei” e como tal o regulamento “mantém-se plenamente em vigor na ordem jurídica”.
Segundo o jornal Público, a probabilidade de o caso acabar em tribunal é grande. Se o Ministério da Saúde nada fizer e a ERS aplicar as sanções previstas no regulamento, qualquer visado pode impugnar a decisão em tribunal invocando este imbróglio jurídico.
ZAP // Lusa