As estatísticas mostram que a maioria das vítimas de violência doméstica são mulheres, mas o facto é também explicado pela vergonha de os homens apresentarem queixa ou pela dificuldade em se reconhecerem como vítimas, como aconteceu com João Paiva.
Segundo os dados da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), mais de 80% das vítimas de violência doméstica são mulheres, mas, segundo a investigadora Andreia Machado, da Escola de Psicologia da Universidade do Minho, tem havido uma feminização do fenómeno, o que levou à invisibilidade da violência contra os homens.
João Paiva sentiu isso na pele e, perante uma plateia de algumas dezenas de pessoas, no âmbito do seminário da APAV sobre “As outras faces da violência doméstica”, contou aquilo por que passou durante uma relação de 20 anos.
João recorda que, numa situação, foi agredido pela ainda mulher – já que esta recorreu da decisão relativa ao processo de divórcio – ao soco e ao pontapé, ficou com um traumatismo crânio-encefálico e teve de ser hospitalizado.
Lembra que quando quis apresentar queixa numa esquadra da polícia, não só foi aconselhado a desistir como o agente que o recebeu “desatou a rir” perante a possibilidade de João querer apresentar queixa por violência doméstica.
Conta também que a mulher apresentou várias queixas contra ele por violência doméstica e que, em tribunal, ficou provado que ela tinha inventado as agressões. Foi condenada, mas no fim, o juiz “quase pediu desculpas por a estar a condenar”.
João tem dois filhos, mas não vê a filha mais velha, nem ela priva com a família paterna, há mais de um ano e meio. Tem a guarda partilhada do filho mais novo, mas o seu maior receio é que o Ministério Público reverta a decisão e entregue a guarda total da criança à mãe.
O que João conta encaixa nas conclusões do estudo antes apresentado pela investigadora Andreia Machado, com o título: “E quando as vítimas são os homens?”.
“Quando falamos de violência contra os homens, podemos dizer que, socialmente, se encontra no mesmo patamar que se encontrava a violência contra as mulheres na década de 70, ou seja, temos um insuficiente reconhecimento pela sociedade, ainda muito reflexo de medo e de vergonha”, explicou a investigadora.
De acordo com Andreia Machado, as estimativas internacionais apontam para que entre 25% a 50% das vítimas de violência na intimidade sejam homens e sublinhou que, relativamente a Portugal, os dados oficiais para 2012 revelam que 15,5% das 26.084 queixas por violência doméstica foram apresentadas por homens.
Apontou que, durante 2012, a APAV foi procurada por 646 homens, ao mesmo tempo que revelou que têm também aumentado os homicídios conjugais femininos, que passaram de 4,5% em 2007 para 13,2% em 2011.
“O único estudo que conhecemos específico em Portugal foi realizado em 2009 pelo Instituto Nacional de Medicina Legal do Porto, que revela que, das 535 vítimas atendidas, 11,5% eram homens”, disse a investigadora.
Relativamente ao estudo que levou a cabo, em que inquiriu 1.557 homens, a investigadora revelou que os resultados mostraram que 69,7% admitiu ter sido vítima de, pelo menos, um comportamento abusivo nos últimos doze meses, número que aumenta para 76,4% quando analisada toda a vida.
Dos homens inquiridos, apenas 8,9% se viam como vítimas e, destes, 76,4% não procurou ajuda. Dentro dos que procuraram ajuda, 71,4% fê-lo junto de amigos e familiares.
Relativamente aos 76,4% que não procuraram ajuda, a primeira explicação apontada, em 64,7% dos casos, é que não identificaram os atos de que eram alvo como violência.
João também só se apercebeu de que era vítima, nos últimos quatro ou cinco anos, mas admite agora que, fazendo uma análise aos 20 anos de relação, a violência esteve sempre lá.
/Lusa