O Hamas pode ser eliminado? A resposta mais curta, dizem analistas militares, é “não”; a resposta longa é mais complexa. Israel pode degradar militarmente o grupo, mas derrotar a ideologia é impossível sem solução política.
O governo israelita tem sido muito claro. O Hamas será “eliminado”, têm dito muitos membros seniores do governo, incluindo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que pediu aos militantes do grupo islamita que entreguem as armas em vez de morrerem pelo seu líder, Yahya Sinwar, que, segundo as autoridades de Israel, está na Faixa de Gaza.
“Digo aos terroristas do Hamas: acabou. Não morram por Sinwar. Entreguem-se já!”, disse, de acordo com um comunicado divulgado pelo seu gabinete.
Em certos canais de televisão israelitas, slogans como “Juntos venceremos” surgem com regularidade, mas será realmente possível eliminar completamente o Hamas e “vencer” numa situação como esta?
A resposta direta, repetem os especialistas, é não.
Apesar da insistência israelita, a maioria dos analistas acredita que não será possível livrar-se totalmente do Hamas, uma vez que o Hamas é mais do que apenas uma organização militante.
O Hamas como movimento social
O Hamas tem cerca de 20 a 30 mil combatentes, confirmou recentemente Guido Steinberg, um especialista no Médio Oriente no Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança, à DW. No entanto, acrescentou, “é também um movimento social com apoio das massas na Faixa de Gaza — e esse é o problema a longo prazo.”
O Hamas está no controlo da Faixa de Gaza desde 2007, e como parte do seu movimento social, existe uma rede de assistência social conhecida como “dawah” que se pensa ter entre 80 e 90 mil membros. Dawah significa “chamada” ou “convite” e é historicamente definida como uma forma de chamar ou convidar mais crentes para a própria fé através de ação social, explica o Oxford Dictionary of Islam.
Israel “adoraria erradicar o Hamas como instituição, como uma estrutura política, religiosa e cultural, e como uma estrutura militar”, disse Rashid Khalidi, professor de estudos árabes modernos na Universidade de Columbia em Nova Iorque, ao jornal espanhol El País, no final de outubro.
“Não acho que possam fazer as duas primeiras coisas“, argumentou. “Quer matem todos os seus líderes, quer matem todos os militantes armados, o Hamas permanecerá como uma força política, quer os israelitas ocupem Gaza ou saiam. Portanto, destruir o Hamas como instituição política, destruir o Hamas como ideia, é impossível.”
O Hamas não reconhece o estado de Israel. O grupo acredita que a religião deve ser a base de qualquer governo palestiniano. Mas é provavelmente a sua auto-descrita posição como um movimento de resistência oposto à ocupação israelita dos Territórios Palestinianos e da Faixa de Gaza que o torna mais popular.
No entanto, Khalidi acrescentou: o que os israelitas poderão bem ser capazes de fazer é degradar as capacidades militares do Hamas, “mas só até um certo ponto e período.”
“Grupo quase certamente irá restaurar-se”
Israel tem um dos exércitos mais poderosos do mundo, ocupando o 18º lugar de 145 nações em 2023 na lista anual de força armada do Global Firepower. O Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo relata que no ano passado Israel gastou 4,5% do seu rendimento nacional em defesa — mais do que os EUA ou a Alemanha, que gastaram 3,5% e 1,4%, respetivamente.
Entretanto, a ala militar do Hamas opera mais como um grupo de guerrilha e contrabandeou a maioria das suas armas para a Faixa de Gaza.
Israel certamente tem os recursos para degradar o Hamas e caçar os seus líderes. Embora os números não possam ser verificados independentemente, o governo israelita disse recentemente que acredita ter morto entre cinco e sete mil combatentes do Hamas. Sendo verdade, tal poderia ser visto como um sucesso parcial, pois enfraquecer o Hamas pode ser o melhor que se pode esperar.
“Alguns funcionários ocidentais acreditam que a ofensiva israelita até à data, combinada com a segurança de fronteira melhorada, garantiu que o Hamas não lançará outro ataque como o de 7 de outubro”, escreveram especialistas do grupo de reflexão International Crisis Group na semana passada.
“Como o Hamas fez após conflitos com Israel em 2009, 2012, 2014 e 2021, o grupo quase certamente irá rearmar-se e restaurar-se“, escreveu Dennis Ross, ex-enviado dos EUA para o Médio Oriente, num artigo de opinião no New York Times no final de outubro. É por isso que, explicou, era contra um cessar-fogo até que o Hamas fosse removido do poder.
Derrotar grupos guerrilheiros é historicamente difícil
Ao mesmo tempo, muito poucos exércitos nacionais conseguiram derrotar decisivamente organizações guerrilheiras no passado.
Exemplos de insucesso incluem os esforços dos EUA contra os Talibãs no Afeganistão e grupos insurgentes no Iraque. A derrota do governo do Sri Lanka do grupo rebelde separatista Tamil Tigers na guerra civil dessa nação é frequentemente citada como um caso em que um exército nacional venceu. Mas, como também é muitas vezes apontado, essa vitória levou 26 anos de guerra, um número de mortos entre 80 a 100 mil, e potenciais crimes de guerra cometidos por ambos os lados.
De facto, em algumas situações as capacidades de um grupo insurgente foram degradadas, mas o grupo conseguiu sobreviver e ressurgiu mais tarde numa forma mais extremista. Um exemplo comum é o brutal grupo “Estado Islâmico”, que evoluiu a partir dos remanescentes da Al-Qaeda.
Israel nunca conseguiu derrotar o Hamas de forma conclusiva, apesar de ter assassinado vários dos seus líderes, incluindo dois fundadores do grupo.
Como é que se mata uma ideia?
“O exército [israelita] pode fazer o melhor trabalho possível. Pode eliminar a liderança. Pode destruir instalações de lançamento de mísseis”, disse Justin Crump, um especialista em terrorismo que lidera a Sibylline Ltd, uma consultoria global de inteligência e análise de riscos. “Mas não vai eliminar a ideia do Hamas.”
Destruir o Hamas por meios militares não faz sentido, Crump disse à DW, porque “enquanto alguns habitantes de Gaza se estão a virar contra o Hamas, outras pessoas em Gaza simpatizam com o Hamas e vão ressentir-se de Israel por estas ações, e isso vai alimentar o ciclo [de violência] como sempre fez — a menos que haja uma mudança muito grande no final disto tudo.”
“Após mais de dois meses de intensas operações israelitas, é evidente que erradicar o Hamas, mesmo como força de combate, será uma tarefa difícil e o impulso para fazê-lo destruirá o que resta de Gaza”, concluiu um briefing do grupo de reflexão International Crisis Group, ou ICS, publicado a 9 de dezembro.
De acordo com o ministério da saúde de Gaza gerido pelo Hamas, mais de 18 mil pessoas foram mortas por Israel e mais de 49.500 feridas em apenas dois meses; uma análise de Yagil Levy, professor de sociologia na Universidade Aberta de Israel e citada pelo jornal israelita Haaretz, estima que 61% dos mortos são civis. Mais de metade de todos os edifícios de Gaza foram destruídos, e 90% da população está agora deslocada.
“Netanyahu afirma que a destruição do Hamas permitirá a ‘desradicalização’ de Gaza, mas o oposto é provável“, escreveram especialistas da ICS. “A campanha em curso e as suas consequências irão produzir novas formas de militância, talvez ainda mais tenazes.”
ZAP // DW
Guerra no Médio Oriente
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