90% da cidade ucraniana foi destruída numa questão de semanas. Os que sobreviveram contam a história do “monte de escombros” que já foi uma “cidade linda”.
Seis em cada dez edifícios foram totalmente destruídos na cidade de Vovchansk, situada a apenas 5 quilómetros da fronteira com a Rússia.
18% dos edifícios ficaram “parcialmente arruinados” e 90% do centro desapareceu. Mas, para o exército russo, esses números parecem insuficientes: “O inimigo continua o seu bombardeamento maciço”.
Quem o conta é Tamaz Gambarashvili, o presidente de da câmara municipal da cidade que deixou de o ser e que “gere” a partir de outra cidade ucraniana, Kharkiv, a quase duas horas de carro.
À AFP, conta que a destruição da sua cidade foi feita em “duas ou três semanas”. Vovchansk tinha cerca de 20 mil habitantes e, hoje em dia, está quase completamente desabitada, e praticamente todos os sobreviventes do massacre vivem agora noutras zonas da Ucrânia.
era bibliotecária. Contou à AEF e ao Bellingcat que a cidade teve “uma escola de medicina, uma escola técnica, sete escolas e numerosos jardins de infância”. “A cidade era linda. As pessoas eram lindas. Tínhamos tudo“, lembra. “Até éramos interessantes, à nossa maneira”.
Vovchansk contava também com um hospital que fora reabilitado em 2017 com ajuda alemã de quase 10 milhões de euros, bem como uma fábrica de maquinaria hidráulica.
No início da guerra, em fevereiro de 2022, a cidade foi ocupada pelos russos, mas rapidamente recuperada pelo exército ucraniano. Foi só em maio desse ano que o exército de Moscovo ocupou a cidade com “dois veículos blindados de transporte de tropas russos”, explicou o tenente Yaroslavsky, que liderava a defesa de Vovchansk.
“Não havia fortificações, nem minas”, e o tenente de 42 anos garante, revoltado, que foi isso que levou a que “17 mil pessoas perdessem as suas casas”. Aponta para “negligência ou corrupção.
“Estávamos mesmo na linha da frente. Ninguém podia vir tirar-nos de lá”, contou Galyna Zharova, de 50 anos, que vivia em Vovchank e agora mora com a família num dormitório universitário em Kharkiv.
“Fomos para a cave. Todos os edifícios estavam a arder. Ficámos amontoados nas caves [durante quase quatro semanas] até 3 de junho”, recorda o marido, Viktor, de 65 anos.
“Os drones voavam à nossa volta como vespas, como mosquitos”, dizem. Acabaram por fugir pelo seu próprio pé.
Entre os sobreviventes, conta a AFP, circula o rumor de que os corpos que, durante dias, cobriram as ruas de Vovchansk foram atirados para uma vala comum.
Mais que uma fronteira: uma sentença
A história de Valentina Radionova faz recordar as vidas separadas pelo Muro de Berlim na época da Guerra Fria. A única diferença é que Valentina morreu por causa desse muro imaginário que é a fronteira Rússia-Ucrânia.
Quem conta a sua história é a filha, Kira Dzhafarova, de 57 anos. “Aos 85 anos, não vou a lado nenhum”, disse-lhe a mãe ao telefone, quando a cidade foi invadida. Imagens de satélite e testemunhas confirmaram entretanto que a casa foi completamente destruída.
Valentina tinha nacionalidade russa, e o filho mais velho vive em Belgorod, a cidade natal da família e a primeira grande cidade russa do outro lado da fronteira. Desentendera-se com a irmã, que se mudou para Kharkiv, na Ucrânia, aos 35 anos e tem agora nacionalidade ucraniana.
Para estar à mesma distância dos dois filhos, foi por amor a ambos que Valentina se mudou para Vovchansk, numa “casinha pequena com um jardim encantador”. Agora, foi morta pelo exército russo, cujo líder, Vladimir Putin, o filho apoia.
Ódio à Rússia “é pessoal”. Não há perdão
Raisa Zymovska tem 59 anos e é enfermeira. Perdeu o marido ao tentar escapar à invasão. A 16 de maio, o casal decidiu fugir de carro aos bombardeamentos, levando consigo a sogra de Raisa e um vizinho.
No meio da chuva de balas que imediatamente atingiu o veículo,Raisa mal tinha saído do carro quando foi agarrada por soldados russos e detida durante dois dias. Conseguiu fugir, escondeu-se na cave de um vizinho durante uma noite e acabou por fugir pela floresta.
Agora, só gostava de poder encontrar os corpos do marido e da sogra e poder dar-lhes um enterro digno. Poderá um dia perdoar o exército russo? “Não sei, não sei mesmo. Como cristã, sim, mas como ser humano… O que é que posso dizer?”
A bibliotecária, que gosta muito de ler, já não consegue tocar em obras russas, depois de saber que o seu filho foi morto na invasão de Bakhmut. “Sei que a literatura não é a culpada, mas a Rússia, tudo isso me enoja. Levaram o meu filho, é pessoal”.
Guerra na Ucrânia
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