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Doença misteriosa está a atacar pomares e matar kiwis em Itália

No mês passado, o governo italiano anunciou a criação de uma equipa de especialistas para investigar a doença misteriosa que está a atacar os pomares e a matar kiwis em todo o país.

As folhas ficam murchas e viradas para baixo, como se quisessem escapar do sol; as raízes escurecem e apodrecem. As folhas caem da árvore em dez dias, deixam os frutos ao sol e, passados um ou dois anos, a planta seca completamente e morre. Sem cura.

A Ministra da Agricultura, Teresa Bellanova, considera a situação uma “emergência” e disse que o país precisa da “ajuda de todos os especialistas”. “Os danos na produção estão a causar muito sofrimento às quintas”, disse num comunicado.

Depois de aparecer perto de Verona em 2012, a síndrome – à qual os agricultores chamam de “morte” (morìa) – devastou áreas onde os kiwis cresceram saudáveis durante décadas. Estimativas recentes sugerem que agora afeta 25% dos pomares de kiwi em Itália, o segundo maior produtor mundial desta fruta.

Food and Agriculture Organization of the United Nations

Gráfico da produção mundial de kiwi entre 1994 e 2018

No entanto, os investigadores dizem que os números reais podem ser ainda maiores. O facto de a síndrome começar nas raízes, faz com que se espalhe sem conhecimento até aparecerem os primeiros sintomas nas folhas.

Nessa altura, a doença já está avançada. “É como o coronavírus, se quisermos comparar: quando os sintomas aparecem, já é tarde demais“, explica Gianni Tacconi, investigador de genómica, do Conselho de Pesquisa e Economia Agrícola de Itália (CREA). “Se é difícil para os humanos curarem-se, para as árvores de kiwi diria que é impossível”, acrescentou.

Os investigadores procuraram encontrar a causa nas práticas de irrigação, em bactérias, fungos, na composição do solo e em doenças específicas de replantação – mas não encontraram nenhum culpado.

A doença atingiu árvores velhas e jovens, tanto em solo virgem como em quintas com décadas de idade, matando algumas árvores muito rapidamente, mas não atacando outras que estavam a poucos metros de distância

Estudos descobriram vários patógenos em árvores doentes, mas nenhum estava presente em todas. Os cientistas acreditam que vários fatores – como a água, níveis de oxigénio do solo, aquecimento global e fungos – podem estar ligados ao acontecimento, mas não conseguem explicar a razão nem como a doença apareceu em áreas onde o cultivo de kiwi costumava ser fácil.

“É muito difícil estudar algo assim”, disse Lorenzo Tosi, investigador da Agrea. “Quando queremos entender a causa de alguma coisa, tentamos isolá-la e fazer experiências. Mas, neste caso, isso não funciona porque estão em jogo vários fatores. Tudo parece contradizer-se”, explicou.

Além da doença misteriosa, Tosi disse que houve uma aceleração nas doenças vegetais graves em Itália. Uma doença, aparentemente ligada a temperaturas mais altas, terá matado macieiras; um fungo dizimou a colheita de pêra; a região sul de Puglia está a lutar contra uma bactéria que ameaça exterminar as oliveiras. “Há sinais de que alguma coisa está a prejudicar as colheitas“, diz Tosi. “Tenho a impressão de que os kiwis podem ser apenas os primeiros de muitos.”

Os cientistas observaram sintomas de debilidade semelhantes em pomares de kiwi em França, Espanha, Grécia, Turquia, Japão e China, mas não tão explosivos como em Itália. Nos arredores de Verona, a doença matou 84% das árvores e está a causar perdas no valor de centenas de milhões de euros.

“Este ano, morreu tudo”, disse Corrado Mazzi, um agricultor, cujos pomares perto de Verona estão em dificuldade. Nessa zona, os agricultores começaram a abandonar os campos de kiwi.

Mazzi cultiva kiwis usando as mesmas técnicas desde meados dos anos 1980, até que os primeiros sintomas de moría apareceram em 2012. A gravidade da doença tornou-se rapidamente evidente. “Entre 2014 e 2015, perdemos tudo”, contou ao The Guardian.

Em 2015, Mazzi arrancou todas as suas árvores para começar de novo e, entre 2016 e 2018, seguiu as melhores práticas agrícolas e plantou novas árvores. Mas a moría voltou. “Pode-se tentar tudo o que se quiser, mas nada muda”, disse, explicando que a sua produção caiu 75% em comparação com os anos de 2010 e 2011.

Na falta de respostas, alguns especialistas sugeriram que a crise climática poderá estar por trás do problema, enfraquecendo as árvores e alterando o equilíbrio do solo. Alguns estudos sugerem que a temperatura ideal para o cultivo de kiwis está entre os 25ºC e os 27ºC, mas o aquecimento global elevam as temperaturas até aos 30ºC em Itália.

As chuvas extremas podem “afogar” as raízes das árvores de kiwi e existem 1.665 relatórios de eventos climáticos extremos naquele país apenas em 2019, que descrevem a ocorrência de granizo intenso e chuvas fortes.

“Ainda tenho muitos dados para analisar, mas tudo parece apontar nessa direção”, revelou Laura Bardi, microbiologista do solo do CREA, cuja equipa está a estudar os efeitos do aumento da temperatura e outras variáveis ​​ambientais nos kiwis.

A maioria dos investigadores concorda com este argumento, mas outros dizem que é necessário realizar mais testes para ter a certeza da causa.

Já Bardi está “convencida de que a mudança climática é o principal fator“. “Se estudarmos a fundo esse aspeto, acho que vamos encontrar as causas”, afirmou.

ZAP //

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