O diário inédito de Renia Spiegel esteve quase 70 anos guardado num cofre de um banco em Nova Iorque e vai agora ser publicado em inglês.
São cerca de 700 páginas escritas pela adolescente judia que descrevem os horrores que viveu durante a ocupação nazi na Polónia.
“Onde quer que eu olhe, há derramamento de sangue. Há mortes, assassínios. Deus Todo-Poderoso, pela enésima vez, eu humilho-me à sua frente, ajude-nos, salve-nos! Senhor meu Deus, deixo-nos viver, eu imploro, quero viver! Experimentei tão pouco da vida. Eu não quero morrer. Tenho medo da morte”. As palavras são de Renia Spiegel, uma adolescente judia que escreveu na primeira pessoa os horrores que viveu durante a ocupação nazi da Polónia. Foi executada pelos soldados alemães quando tinha 18 anos.
Este é apenas um excerto do diário inédito desta jovem polaca judia que vai ser publicado em inglês, pela Penguin Books, a 19 de setembro, depois de ter sido editado em polaco (2016), de acordo com a CNN. Fonte da editora em Portugal disse ao Diário de Notícias que não tem informação se o livro vai ser publicado no nosso país.
”É tudo tão estúpido, mesquinho, sem importância, tão pequeno. Hoje estou preocupada por ser feia; amanhã eu posso parar de pensar para sempre”, continua Reina Spiegel na entrada do seu diário referente ao dia 7 de junho de 1942.
O diário, que está a ser comparado ao Diário de Anne Frank, esteve quase 70 anos guardado num banco de Nova Iorque. Relata a vida de Reina Spiegel, dos 15 aos 18 anos, entre janeiro de 1939 e 30 de julho de 1942, quando é encontrada e morta pelos nazis.
O relato de Renia Spiegel, quer em prosa quer sob a forma de poemas, começa em janeiro de 1939, nove meses antes do início da invasão alemã da Polónia, que marcou o início da II Guerra Mundial. As palavras da jovem judia foram publicadas pelas primeira em inglês em novembro de 2018, com a divulgações de excertos do seu diário na revista Smithsonian, publicação oficial do instituto de investigação de Washington, EUA. Agora chega o livro.
As últimas palavras no diário não foram escritas por Renia, mas sim pelo namorado, Zygmunt Schwarzer, que sobreviveu ao holocausto. “Três tiros! Três vidas perdidas! Tudo o que consigo ouvir são tiros, tiros”.
Soldados nazis encontraram Reina Spiegel escondida, juntamente com os pais de Schwarzer. Foram os três mortos a tiro.
As palavras de Reina Spiegel contam na primeira pessoa a realidade da guerra, o dia-a-dia no gueto, mas também a vida de uma adolescente. A jovem polaca deseja o reencontro com a família, nomeadamente com a mãe, o fim da guerra, mas escreve igualmente sobre aspetos próprios da idade, como a sua imagem, os amigos, a escola e quando se apaixonou por Zygmunt Schwarzer. Foi ele que guardou o diário. Schwarzer entregou-o a outra pessoa antes de ser deportado para o campo de concentração de Auschwitz.
Sobreviveu e mudou-se para os EUA. Em 1950, conseguiu encontrar a família da namorada, Elizabeth, a irmã de Reina, e Róza, a mãe, que viviam em Nova Iorque, e entregou-lhes o diário.
Elizabeth, que agora tem 87 anos, não conseguiu ler as palavras escritas pela irmã e decidiu depositar o diário num cofre de um banco. Em 2012, Alexandra Bellak, a filha de Elizabeth, insistiu para que o diário fosse traduzido para inglês. “Fiquei curiosa sobre o meu passado, a minha herança”, disse em entrevista à CNN. “[A minha mãe] nunca leu porque era muito doloroso”, afirmou.
Alexandra contou que a mãe apenas leu os excertos que foram publicados na revista Smithsonian e nunca o diário na integra.
As palavras da adolescente judia no diário levaram também a família a criar, em 2015, a Fundação Renia Spiegel, que além da publicação e divulgação do diário, promove um prémio de poesia.