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É hoje o dia D nos EUA. Limite da dívida vai ser batido (e ameaça a “estabilidade financeira global”)

worldbank / Flickr

Secretária do Tesouro norte-americana, Janet Yellen

Antecipa-se uma grande dor de cabeça para Joe Biden, já que os Republicanos querem cortes na despesa como contrapartida para aumentarem o limite da dívida.

O Governo dos Estados Unidos deve atingir o limite de endividamento esta quinta-feira — e já se antecipam muitas dores de cabeça sobre o orçamento que ameaçam agravar ainda mais um cenário económico que já teve melhores dias.

Na última sexta-feira, a Secretária do Tesouro, Janet Yellen, enviou uma carta ao Congresso que alerta para a necessidade de se avançar com “medidas extraordinárias” para se evitar que os Estados Unidos entrem em incumprimento.

O que é o limite de endividamento?

Mas afinal, o que é o limite de endividamento? Nos EUA, o Congresso pode estipular um limite à quantidade de dinheiro que o Governo pode pedir emprestado para pagar as despesas públicas, como a Segurança Social, os salários dos funcionários públicos e dos soldados ou os benefícios do programa de saúde Medicare.

Antes de 1917, o Congresso dava autorização ao Governo para pedir uma quantidade fixa de dinheiro emprestado durante um mandato específico. Quando os empréstimos eram saldados, o Governo não podia fazer um novo empréstimo sem a luz verde do Senado e da Câmara dos Representantes.

Este cenário mudou em 1917, quando foi aprovado o Security Liberty Bond Act — uma lei que criou o tecto de endividamento e que permitiu que o Governo se continuasse sucessivamente a endividar sem a aprovação do Congresso.

A legislação foi criada para agilizar o trabalho do Governo, numa altura em que o país tinha despesas sem precedentes devido à Primeira Guerra Mundial. Mesmo assim, os legisladores não deram um cheque em branco à administração do Presidente Woodrow Wilson, estabelecendo um limite de 11,5 mil milhões de dólares à dívida.

Desde então, o tecto da dívida tem sido aumentado dezenas de vezes e até suspenso em outras. A última mudança foi em Dezembro de 2021, quando foi subido para 31,38 biliões de dólares.

A 10 de Janeiro de 2023, o total da dívida do país era de 30,92 biliões de dólares, cerca de 22% acima do valor de todos os bens e serviços que serão produzidos pela economia norte-americana este ano.

O que vai acontecer quando se chegar ao limite?

De momento, a Tesouraria dos EUA tem cerca de 400 mil milhões de dólares prontos a ser gastos. O Governo antecipa precisar de pedir emprestados mais 100 mil milhões de dólares por mês em 2023, relata o The New York Times.

Quando o limite for batido, o Governo terá de adoptar medidas extraordinárias para continuar a cumprir os seus compromissos. Uma destas medidas pode ser suspender temporariamente o financiamento do Fundo de Reforma e Invalidez do Serviço Público e do Fundo de Benefícios de Saúde para Reformados do Serviço Postal, na esperança de que, quando o tecto for alargado, a diferença será compensada.

No entanto, qualquer uma das medidas de emergência que sejam adoptadas será apenas temporária. Se o tecto da dívida não for subido antes de o Departamento do Tesouro esgotar as suas opções, podem começar a haver falhas nos pagamentos de salários de funcionários públicos ou de benefícios sociais e também falhas no pagamento a empresas que tenham contratos com o Estado.

“Falhar no cumprimento das obrigações do Governo pode causar danos irreparáveis à economia dos EUA, à subsistência de todos os americanos e à estabilidade financeira global”, avisou Yellen, que considera que estas medidas só vão conseguir segurar a economia até Junho.

Se o Governo entrar em incumprimento, os investidores vão começar a deixar de investir nas empresas norte-americanas, o que levará a uma desvalorização do dólar.

O Congresso vai subir o limite?

É precisa apenas uma maioria simples na Câmara dos Representantes e no Senado para que o tecto da dívida seja subido. O problema é que a Câmara dos Representantes está agora nas mãos dos Republicanos, que querem usar esta votação como moeda de troca para forçar Joe Biden a cortar na despesa pública.

Esta não é a primeira vez que os Republicanos usam este impasse para seu benefício. Em 1995, Bill Clinton teve dores de cabeça semelhantes às de Biden na disputa com o então Presidente da Câmara dos Representantes, Newt Gingrich, e Obama idém, tendo entrado em choque com John Boehner em 2011 e em 2013.

O confronto de Joe Biden com Kevin McCarthy já promete. Os Republicanos já adoptaram novas regras que vão dificultar ainda mais uma subida ao limite da dívida. Biden, por sua vez, já disse que se ia opor a qualquer tentativa de associar a subida do tecto a um corte à despesa pública.

No domingo, McCarthy afirmou em entrevista à FOX News que agora é uma boa altura de “olhar para os lugares onde podemos mudar o nosso comportamento” porque “o que estamos a fazer vai levar este país à bancarrota“.

Após uma longa disputa para conseguir ser eleito Presidente da Câmara dos Representantes em que teve de fazer cedências à ala mais radical dos Republicanos, o The Washington Post refere que McCarthy terá feito um acordo privado com o Freedom Caucus de que iria passar um plano de priorização de despesas no primeiro trimestre do Governo. Isto faz antecipar um confronto duro com Biden.

As disputas para aumentar o teto da dívida também já levaram a paralisações do Governo no passado. A paralisação mais longa de sempre foi de 35 dias, entre 22 de dezembro de 2018 e 25 de janeiro de 2019, e custou 11 mil milhões de dólares – três mil milhões dos quais foram permanentes.

Pode o limite ser eliminado de vez?

Dadas todas as dores de cabeça que o limite da dívida causa, há quem questione se faz sentido esta regra continuar.

Os Estados Unidos podem adoptar o modelo dinamarquês e aumentar o limite para um valor enorme, de forma a que não haja risco de se entrar em incumprimento em breve.

Estes limites colocam a economia dos EUA periodicamente em perigo devido a impasses políticos. O tecto original também foi criado no início do século XX, quando o Congresso não conseguia reunir-se rapidamente para aprovar o aumento da dívida para a guerra. Estas dificuldades já não existem hoje em dia, visto que os congressistas podem agora votar online e à distância.

Adriana Peixoto, ZAP //

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