Deuses ou demónios? O fascínio ancestral por dragões vive até aos dias de hoje

A prequela de Game of Thrones traz novamente à tona o fascínio pelos dragões. Mas embora a série House of the Dragon e os livros de Harry Potter possam ter aumentado a sua notoriedade no século XXI, estes seres já faziam parte da cultura e das religiões de várias civilizações antigas.

Num artigo publicado no Conversation, Emily Zarka referiu que os dragões são um símbolo quase universal para muitas civilizações. De acordo com a especialista no género gótico, terror e monstros na literatura e no cinema, a existência duradoura do mito dos dragões “é um testemunho do seu poder narrativo”.

“As religiões e as culturas em todo o mundo estão repletas de tradições de dragões”, referiu, indicando que, na grande maioria das crenças, “existe uma metáfora que alguns estudiosos designam por Chaoskampf – uma palavra alemã que se traduz como a luta contra o caos”.

Esse termo refere-se a uma situação que “envolve um personagem heroico que mata um “monstro” caótico primordial, muitas vezes com características associados a um dragão e um tamanho maciço que anula os humanos”, continuou. Um exemplo antigo é encontrado no “Enūma Elias“, um texto escrito entre 2000 a 1000 anos a.C..

No texto, Tiamat, a divindade feminina da água salgada e matriarca dos deuses, deu à luz a 11 tipos de monstros, incluindo um dragão. Embora Tiamat nunca seja descrita como um “dragão”, alguns dos seus filhos são dragões. Mais tarde, a sua aparência começou a assumir características que a ligavam ao predador mitológico.

Na China, onde dragão onde é chamado de Long, a sua presença é antiga e integra várias tradições culturais, espirituais e sociais. É um dos elementos do zodíaco chinês, uma das criaturas sagradas que compõem os Quatro Animais Sagrados e fornecem justificação para as dinastias imperiais.

Diferentes tipos destes seres formam uma hierarquia na antiga cosmologia chinesa e aparecem nos mitos da criação de várias tradições indígenas. Quando os missionários jesuítas reintroduziram o cristianismo na China no século XVI, a existência do dragão não foi contestada. Em vez disso, associaram-na “a uma explicação mais ocidentalizada – o Diabo”, referiu a especialista.

Atualmente, os dragões são celebrados e venerados nas tradições budistas, taoistas e confucionistas como símbolos de força e esclarecimento. Aparecem também em religiões anatólicas, mitos sumérios, sagas germânicas, crenças xintoístas e nas escrituras. Isso levanta a questão: Porque é que os dragões apareceram?

De acordo com Emily Zarka, uma teoria há muito defendida é que existem explicações naturais para os dragões. Isto não quer dizer que existiram, mas sim que os fósseis, os animais e as características geológicas existentes no mundo natural inspiraram a sua criação.

O autor e cientista Carl Sagan escreveu um livro onde argumenta que os dragões evoluíram de uma necessidade humana de fundir a ciência com o mito, o racional com o irracional, como parte de uma resposta evolutiva a predadores reais.

Restos totais ou parciais de numerosas espécies extintas podem explicar os atributos físicos dos dragões. Em 2020, DorothyBelle Poli e Lisa Stoneman sugeriram que os restos fossilizados da planta primitiva Lepidodendron podem estar por detrás da presença global de dragões.

As semelhanças que esses seres mitológicos têm com lagartos, peixes, crocodilos, cobras gigantes e certas espécies de aves também têm sido propostas como possíveis explicações para a sua tradição.

Alguns estudiosos citaram processos geológicos naturais como explicações para os dragões – particularmente quando associados a catástrofes naturais. Os dragões que cospem fogo, por exemplo, eram uma explicação para os incêndios misteriosos. Antes de os mecanismos de combustão serem compreendidos, explicou a especialista, tais eventos eram considerados indicadores da presença de um dragão.

Outra das razões apontadas por Emily Zarka para os dragões continuarem a aparecer é o facto de representarem o poder da natureza. Histórias sobre pessoas que domesticam dragões podem ser vistas como histórias sobre a capacidade dos humanos para dominar forças que nem sempre podem ser controladas.

“Ter controlo sobre um dragão realça a ideia de que os humanos são superiores a todos os outros animais. Os dragões desafiam o conceito de supremacia biológica humana, levantando questões sobre o que aconteceria se os humanos fossem forçados a reposicionar-se como membros inferiores da cadeia alimentar”, disse.

Mais importante, concluiu a especialista, é que “a beleza, o terror e o poder do dragão evocam mistério e sugerem que nem todos os fenómenos são facilmente explicados ou compreendidos”.

ZAP //

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