Ainda adolescentes, viram o seu mundo virar do avesso depois de encontraram o “diamante da paz” na Serra Leoa, mas nem tudo correu de forma tão brilhante como seria de esperar.
Para contar esta história, é preciso recuar a 2017, quando o fascinante “diamante da paz” — na altura, possivelmente a 10ª maior pedra já encontrada — foi descoberto na Serra Leoa e levou à loucura meios de comunicação de todo o mundo.
Num país africano onde os diamantes são sinónimo de derramamento de sangue e miséria, esperava-se que a pedra pudesse ser usada para melhorar a vida da população local.
Por detrás do frenesim mediático estavam os mineiros, homens cujo trabalho árduo tornou possível a descoberta da gema. Komba Johnbull e Andrew Saffea — ainda adolescentes — eram os mais novos do grupo de cinco mineiros, patrocinados pelo pastor local — a quem foi atribuída a descoberta do polémico diamante.
Quando viram aquela enorme e brilhante pedra no chão, acreditaram que todos os seus sonhos se tinham tornado realidade mas, seis anos depois, a descoberta ficou marcada pela deceção.
Plano de sobrevivência
A trabalhar com o grupo de mineiros, Johnbull e Saffea, cicatrizados pela pobreza e morte — Johnbull viu a sua família morrer na guerra civil e Saffea foi forçado a abandonar a escola devido à pobreza — não eram remunerados, mas receberiam equipamento básico e comida. Se um diamante fosse encontrado, o patrão ficaria com a maior parte.
Os jovens aceitaram um ritmo de trabalho exaustivo: acordar de madrugada para trabalhar numa plantação antes do pequeno-almoço; depois, passar o resto do dia na mina.
A esperança era poupar dinheiro suficiente para voltar à escola, mas a realidade do trabalho era devastadora. Iam sonhando com o que fariam se de repente se tornassem ricos.
Johnbull queria uma casa de dois pisos e um Toyota FJ Cruiser, enquanto Saffea desejava terminar os estudos.
“Isto é um diamante!”
O dia em que finalmente tiveram sorte começou como qualquer outro, com um pequeno-almoço de bananas cozidas e uma oração antes de irem para a mina.
Os mineiros gastavam uma pequena parte do tempo à procura ativa de diamantes. Naquela sexta-feira, 13 de março de 2017, o plano era trabalhar nos preparativos da mineração: começar a retirar terra, extrair cascalho e lidar com inundações do início da época das chuvas. E foi então que os olhos de Johnbull brilharam.
“Vi uma pedra debaixo da água corrente que estava a ser arrastada. Foi puro instinto, pois nunca tinha visto um diamante antes.”
“Fiquei a olhar para a pedra durante mais de um minuto. Depois disse ao meu tio: ‘Esta pedra brilha, que tipo de pedra é esta?'”
Johnbull baixou-se e retirou-a da água.
“Estava muito fria. Assim que a agarrei, tiraram-me a pedra das mãos e disseram: ‘Isto é um diamante!'”. Tinha 709 quilates.
Os mineiros avisaram o seu patrocinador, o pastor Emmanuel Momoh, que decidiu levar o diamante ao governo, em vez de o vender no mercado negro. O diamante foi vendido em leilão por 6,5 milhões de dólares.
Planos falharam. “Só quero voltar para casa”
Centenas de milhares de serra-leoneses trabalham como mineiros em minas informais, tal como Johnbull e Saffea. Se tiverem sorte, podem encontrar um pequeno fragmento de diamante, mas é o sonho de encontrar um diamante inteiro como este que mantém muitos na difícil luta.
O acordo estabelecido com os mineiros é que cada um recebe uma parte do lucro e que outra parte reverte para o governo para desenvolvimento local.
Os mineiros receberam inicialmente apenas 80 mil dólares. Era mais dinheiro do que Saffea e Johnbull esperavam ganhar quando se juntaram pela primeira vez. No entanto, ficaram desapontados ao receber uma parte tão pequena, comparativamente ao valor total do diamante.
“Quando recebi a minha parte do dinheiro, guardei-o durante uma semana inteira sem lhe tocar. Finalmente, viajei para Freetown (capital de Serra Leoa) para comprar uma casa”, diz Johnbull.
Saffea queria ir para o Canadá para prosseguir os seus estudos e Johnbull queria acompanhá-lo. Pagaram a um agente 15 mil dólares por viagens, alojamento e propinas universitárias.
Foram levados para o Gana, onde passaram seis meses e gastaram grande parte do dinheiro.
O plano falhou porque o pedido de visto foi rejeitado.
Johnbull regressou a Serra Leoa, tendo perdido grande parte do seu dinheiro, enquanto Saffea ainda fez outra viagem para um terceiro país, onde lhe disseram que poderia trabalhar como motorista durante o dia e estudar à noite.
No entanto, ao chegar ao destino (cujo nome não é mencionado para segurança do interveniente), a realidade era muito diferente. “Cuido de cavalos num estábulo, onde também durmo e como. Outros trabalhadores receberam alojamento, enquanto eu fiquei a dormir no estábulo.”
Não é a vida de quem sonhava enriquecer com diamantes. Agora, diz que só quer voltar para casa.
Uma guerra civil alimentada pelos diamantes
A guerra civil de dezenas de anos da Serra Leoa foi alimentada pelo comércio dos chamados “diamantes de sangue” – numa altura em que o interesse era trocar os diamantes por armas – que resultou em mais de 120 mil mortes e enormes custos sociais e económicos para o país.
Desde 1972 que não era encontrado um diamante tão grande no país que atrai mineiros artesanais de todo o mundo. Há 45 anos foi encontrado o “Estrela da Serra Leoa”, um dos diamantes mais conhecidos do mundo, que pesava 969 quilates.
No entanto, o primeiro lugar na lista dos maiores diamantes já encontrados pertence ao famoso diamante Cullinan, de 3.106 quilates, descoberto em 1905 na África do Sul.
O que mais magoa Saffea e Johnbull é a sensação de que nunca obtiveram o devido reconhecimento pela sua descoberta. As reportagens sobre o diamante focaram-se no pastor que os patrocinou e os mineiros mal foram mencionados.
Johnbull, por sua vez, gostaria de ter usado o seu dinheiro de forma diferente.
“Quando ganhei o dinheiro, era muito jovem. Naquela época só me exibia, comprava roupas e tudo mais. Sabe como é com os jovens. Olhando para trás, não me sinto bem com isso”, diz.
ZAP // BBC