Desaparecidos no Tejo estavam a apanhar amêijoa ilegalmente. Governo foi avisado de perigos

Cartas, relatórios, alertas e imagens. Tudo tem chegado ao mistério da Administração Interna. Perigos da apanha ilegal de amêijoa afetam também os consumidores, mas até agora “está tudo na mesma”.

Fernando Pinto, presidente da Câmara de Alcochete, diz que, nos últimos tempos, enviava emails quase diários com fotografias ao antigo ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita.

No dia 15 de maio, com um novo governo liderado por Luís Montenegro, tentou de novo a sua sorte, conta ao Expresso, enviando também email para o gabinete do primeiro-ministro, que começava com “Excelência, o assunto que suscita esta minha comunicação não é novo, não é desconhecido…”.

A temática destes emails é sempre a mesma: relatórios, imagens e outros alertas sobre os perigos da apanha ilegal de amêijoa, problema recorrente no município.

Na carta que enviou em maio a Montenegro, o autarca juntou “em ‘cc'” vários ministros: da Administração Interna, Economia, Infraestruturas e Habitação, Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Agricultura e Pesca, Justiça, Ambiente e Energia.

Tratava-se de uma compilação de atas municipais de 2018 e 2019. O presidente da Câmara alerta no email para um conjunto de consequências que podem advir da exploração ilegal da amêijoa japonesa.

A lista é grande: “poluição das praias e zonas adjacentes; comportamentos impróprios à vida em sociedade; crescimento de bairros ilegais sem condições de habitabilidade e salubridade; concentração de pessoas de nacionalidade estrangeira, muitas vezes ilegais e vítimas de exploração laboral e até mesmo tráfico humano; problemas de saúde pública, através do consumo de amêijoa não depurada; crime económico; assoreamento do rio; degradação da Ponte-Cais, entre outros”.

“Até agora não aconteceu nada, não tive qualquer resposta. Está tudo na mesma, um misto de problemas acumulados, laborais, habitacionais, de segurança, de saúde, ambientais”, lamenta o autarca. “Nem o Governo anterior nem este fizeram nada”.

Fernando Pinto diz mesmo que “o tema até serviu de bandeira na última campanha eleitoral, prometeram, estiveram no local mas não passou disso”. Defende a criação de uma “task-force” para combater o problema, que só tem vindo a crescer em Alcochete.

“Isto não vai lá atacando um a um, os tentáculos do polvo”, critica o autarca. “É preciso ir à cabeça.”

Os pescadores do catamarã que embateu esta segunda feira contra um navio de transporte de passageiros da Transtejo Soflusa estariam a praticar essa atividade quando chocaram contra o barco, acidente que causou ferimentos em dois apanhadores — um deles está em estado muito grave, conta o JN —, e deixou dois desaparecidos.

No Tejo, retiram-se por dia cerca de 20 a 30 toneladas de amêijoa, avança o Expresso, com um valor mínimo de mercado de 60 mil euros, o que perfaz um total anual de 22 milhões de euros. No entanto, os valores são ainda maiores quando este produto é traficado para o estrangeiro, onde é vendido bem mais caro. Por ano, a amêijoa pode valer aos pescadores ilegais do Tejo 124 milhões de euros.

Segundo o semanário, “há traficantes de droga a trocar de área de trabalho”, porque a amêijoa é extremamente lucrativa. No Tejo, serão cerca de 1128 apanhadores que se dedicam a esta atividade ilegal.

O problema é que todos os consumidores podem estar a ser afetados por este negócio. A amêijoa japonesa do Tejo está proibida para consumo humano por estar contaminada com índices elevados de E.coli, assim como metais tóxicos que se acumulam no rio devido às décadas de exploração industrial na zona.

Desde 2023, a Autoridade Marítima Nacional (AMN) e a GNR têm levado a cabo diversas grandes operações.

Um membro dessas equipas diz que “temos dado fortes abanões no negócio para acabar com este regime de impunidade, há grandes alvos a cair, mas rapidamente outros se levantam. O vetor internacional, de cooperação com as autoridades dos países recetores, é cada vez mais o caminho, para cortar as redes em toda a sua extensão. E também a parte financeira, com a apreensão de bens, contas bancárias. Só a prisão já não os assusta, é preciso atacar no que dói”.

“ZAP” //

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