Pedro Pina / RTP / LUSA

NAPA canta “Deslocado” na final do Festival da Canção 2025
Não vai acontecer. Os 12 pontos do júri da Madeira, os estudantes emocionados, o quarteto que ficou fora e o golpe para a RTP – que deveria mudar umas regras.
Os NAPA venceram no sábado passado o Festival da Canção, com a canção Deslocado. E os próprios madeirenses ficaram claramente surpreendidos, quando se aperceberam da vitória.
Foi um triunfo tangencial. Aliás, o grupo madeirense ficou com 17 pontos e a canção Cotovia, de Diana Vilarinho, também teve 17 pontos – mas, em caso de empate, o público leva a melhor. E os NAPA tiveram 10 pontos no televoto; ficaram no 2.º lugar nessa votação, superados apenas por Henka – enquanto Diana Vilarinho se ficou pelos 5 votos no televoto.
Com a minha música preferida fora da final (não passou da segunda meia-final), ficou mais fácil escolher músicas candidatas à vitória nesta final nacional… e na final da Eurovisão.
É que, pela primeira vez, via ali 4 músicas potenciais vencedoras da Eurovisão: Henka – I Wanna Destroy U, Bluay – Ninguém, Fernando Daniel – Medo e Josh – Tristeza. Mesmo não me identificando com duas delas, reconhecia o seu potencial. Cada uma com o seu estilo, cada uma com o seu contexto, cada uma com a sua actuação. Mas todas fortes.
Aliás, na tarde de sábado, uma sondagem do Eurovisionworld seguia esta tendência e colocava três daquelas quatro canções como favoritas à vitória nacional. Só Ninguém ficava de fora.
E eis que, quase do nada, ou se calhar não, afinal foram os madeirenses NAPA a ficarem com o troféu.
Os estudantes
Como já foi mencionado, o próprio grupo ficou surpreendido. Mas já havia um sinal, como salientam as redes sociais e o Expresso: a letra emocionava os estudantes deslocados.
Por mais que possa parecer
Eu nunca vou pertencer àquela cidade
O mar de gente
O Sol diferente
O monte de betão
Não me provoca nada
Não me convoca casa
Se eu te explicar
Palavra a palavra
Nunca vais entender
A dor que me cala
A solidão que assombra
A hora da partida
Carrego o sossego de poder voltar
Mãe olha à janela, que eu tou a chegar
Centenas de milhares de visualizações nas plataformas. Aparentemente, os estudantes que estão longe de casa identificaram-se muito com este poema simples. E, aparentemente, há muitos estudantes – ou os seus pais – a ver e a votar no Festival da Canção (já lá vamos).
Ou seja, metade da explicação desta vitória surpreendente estará aqui: os 10 pontos do público, essenciais neste triunfo, terão sido dados por estudantes. E por madeirenses, calculamos.
Os 12 pontos da Madeira
Este, para mim, foi o ponto determinante na vitória dos NAPA.
A pontuação dada pelos telespectadores é o que é. Eu não iria por aí mas não sou, nem estudante, nem deslocado. Entende-se.
Mas o momento essencial foi quando o júri da Madeira anunciou a sua votação: 12 pontos para os NAPA.
E a sua porta-voz, a cantora Bia Caboz, não escondeu em directo: “Acho que, neste momento, deixo de falar como porta-voz e passo a falar com a voz do povo, do povo madeirense!” – anunciando a seguir os 12 pontos para os NAPA, numa frase muito criticada nas redes sociais logo a seguir ao Festival.
Só para termos uma noção, os madeirenses estavam no 9.º lugar antes do júri da Madeira – e passaram logo para 4.º depois desta votação dos conterrâneos.
Foi um contraste em relação ao que se estava a verificar nos outros júris regionais convidados pela RTP: 2, 7, 5, 5 e… 0 pontos. Tinham sido estas as votações dos júris anteriores, mais 7 dos Açores a seguir.
Ou seja: se o júri da Madeira não tivesse sido – literalmente – regional, se tivesse seguido a média dos outros (algo sempre complexo), e mesmo com alguns pontos extras, os NAPA teriam tido, não 38, mas entre 30 e 34 pontos dos júris. Ou seja, partiriam para o televoto em 6.º ou 7.º lugar, e não em 4.º – e nunca iriam vencer, partindo dessa posição.
Traduzindo: foram os 12 pontos do júri da Madeira que – também – originaram este desfecho.
Golpe para a RTP?
A partir do momento em que as músicas foram anunciadas, o Festival da Canção português atingiu um patamar europeu que nem em 2017 tinha acontecido (quando Salvador Sobral ganhou).
O evento da RTP passou a estar no 3.º lugar das tendências na Europa, à volta da Eurovisão; apenas atrás dos famosos festivais San Remo (Itália) e Melodifestivalen (Suécia). E o Spotify pediu parceria à RTP para este evento.
Henka, Bluay, Fernando Daniel ou Josh. Talvez com A Minha Casa de Marco Rodrigues num segundo patamar. Reforço: todos estes nomes seriam muito fortes na Eurovisão – e provavelmente todos, ou alguns deles, foram os responsáveis por este impacto.
Muitos comentadores e espectadores atentos apontavam Henka como favorita à Eurovisão: conseguiu 12 pontos do público mas…. 0 pontos dos júris. 4.º lugar final.
O portal wiwibloggs, especialista em concursos musicais, ficou impressionado com Josh: “É material vencedor da Eurovisão”.
Fernando Daniel, mesmo que involuntariamente, apresentou ali uma mistura de Loreen com Duncan Laurence – que, juntos, venceram a Eurovisão 3 vezes.
Até durante a final, num desabafo de 3 segundos, o apresentador Vasco Palmeirim admitiu que neste ano a escolha estava particularmente difícil; enquanto Filomena Cautela destacava o ambiente tenso, como nunca tinham visto, no estúdio da RTP.
E, no meio de tanta qualidade, ganhou a música mais básica – arrisco dizer, a mais fraca – a nível melódico e poético. Dos 12 finalistas, acho que não havia pior.
Pode ter sido um golpe para a RTP, que em 2025 estaria a sonhar com a segunda vitória na Eurovisão. Com razões para isso!
E agora… Vai aquela música à Suíça.
“Ah, mas estavam afinados e são boa gente” – bem, se formos por aí, o Marco Rodrigues e o Fernando Daniel também estiveram muito afinados; e dizem que o Marco e o Bluay também são muito boa gente.
Resta desejar boa sorte aos NAPA. Mas duvido muito que passem sequer da meia-final da Eurovisão. Algum dos outros 36 países quer saber dos estudantes portugueses deslocados, ou se o grupo é da Madeira? A música não convence.
Aliás, desde que foi conhecido o vencedor do Festival da Canção, Portugal desceu rapidamente nas apostas e já está somente no 17.º lugar dos favoritos.
Raramente concordo com o Fernando Daniel, mas desta vez estamos de acordo: “Há coisas que são difíceis de entender”.
Três dicas para a RTP
Mais do que o aparente golpe, é altura de a RTP rever algumas coisas.
A começar pela questão dos júris regionais. Sim, os madeirenses deram 12 pontos aos madeirenses – mas o júri do centro deu 12 pontos ao estarrejense Fernando Daniel, o júri do Alentejo deu 12 pontos à alentejana Jéssica Pina, o júri do Algarve deu 12 pontos ao algarvio Peculiar. Por acaso o júri do Norte não deu 12 pontos à portuense Henka – mas deu 10. Se calhar, era altura de acabar com isto.
Depois, a conversão dos pontos. Se, entre os júris, uma canção tem 10 pontos de vantagem sobre a seguinte, é justo que de repente essa diferença passe a ser apenas de 1 ou 2 pontos? Antes do televoto? Se calhar, não. A proporção deveria ser diferente.
Por fim, o televoto. 25 chamadas por cada número de telefone talvez seja demasiado. Mas aqui a RTP não vai ceder: só nesta edição, mais de 95 mil chamadas chegaram àquele 760. Foram quase 60 mil euros ganhos só no televoto.
Parte positiva: fica a ideia de que muitos jovens vêem o Festival da Canção. É que 12 pontos foram para a alternativa Henka, 10 pontos para os NAPA e 8 pontos para o popular Fernando Daniel.
Ou seja o festival é um arranjinho e desta vez saiu furado. E só se levanta o assunto porque foi um grupo de madeirenses a ganhar, se fosse outra bandinha de outro lado , mesmo cantando em outras línguas que não Português não haveria problema.
A “hora da partida” pode estar ligada a uma saudade de regressar a um lugar mais tranquilo e familiar, enquanto a referência à “mãe” e “olha à janela” transmite um vínculo emocional muito forte, onde o regresso à casa da mãe, à Madeira, representa o reencontro com a segurança e paz interior.
Não percebi esta noticia!!! Eu não gostei da musica do Fernando Daniel.
O júri do norte deu 12 pontos à Henka e não 10 como mencionado. E regras são regras, e têm funcionado bem. O público e o júri (o das meias finais) votam nas actuações e nas músicas que gostam e não estão a pensar na Eurovisão.
Olá, Eduardo.
Obrigado pela indicação, mas o júri do Norte deu mesmo 10 pontos a Henka. Os 12 pontos foram para Peculiar e a sua música ‘Adamastor’.
Finalmente, alguém que analisou esta trampa, exactamente como eu. Quanto a essa história que li aqui nos comentários “O público e o júri (o das meias-finais) votam nas actuações e nas músicas que gostam e não estão a pensar na Eurovisão” meu caro espero que isso não seja verdade, ou melhor, tenho esperança de que não seja verdade, porque se for é a coisa mais idiota que aconteceu ou acontece neste pais em anos. O objective do Festival da Canção é ir à Eurovisão, se o juri, ou mesmo o publico, quando votam não tiverem isso em mente são… Refreio-me aqui, porque se disse-se o que penso o comentário não seria aprovado…
Nota; algo poderia mudar e bem, fazer como na eurovisão, ou seja, se os países não podem votar em si, os juris regionais não deveriam poder votar nos artistas da sua região, tão simples como isso…
Meu deussss, que mau perder. Nem todos têm o gosto não refinado como o seu Sr Nuno. Notasse que não é deslocado de lado nenhum, pois com um horizonte tão curto e uma mentalidade quadrado só assim o poderia ser.
Talvez quando ganhar mais sensibilidade tenha mais direito de escrever tais estúpidas críticas.
Não se esqueça que Portugal ganhou com Amar pelos dois de Salvador Sobral. Maior parte de Portugal sente-se representado pelos NAPA e é isso que importa para nós na Eurovisão, que é representar o país. A música de Fernando Daniel nem seqier merecia estar no Festival da Canção, é igual a todas as outras músicas dele e só merecem tocar na rádio.