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Arranca hoje a conferência dos Trabalhistas – num clima de “guerra civil” entre Starmer e os Corbynistas

A proposta de Starmer de mudar a sistema de eleição do líder dos Trabalhistas tem suscitado muitas críticas, num partido que já estava profundamente dividido entre os membros mais conservadores e os membros leais a Jeremy Corbyn.

Ainda antes de começar, a conferência do Partido Trabalhista no Reino Unido já estava a causar polémica. A proposta de Keir Starmer de mudar a forma com o líder partidário é eleito deve ser apresentada este fim-de-semana em Brighton, mas não agradou a muitos dos membros, falando-se mesmo numa possível “guerra civil” dentro do partido.

Em causa está um possível regresso ao sistema de votação antigo, quando um colégio eleitoral escolhia a liderança. Segundo avança a imprensa britânica, Starmer quer mudar a regra que permitiu ao seu antecessor Jeremy Corbyn, da ala mais à esquerda do partido, ser eleito líder.

A confirmar-se, a votação ficaria a cargo de três grupos – deputados, membros dos partido e sindicatos – cada um com um terço dos votos. A regra foi abolida em 2014 por Ed Miliband, que mudou a votação para o sistema actual, que dá a cada membro e afiliado do partido a possibilidade de votar na eleição interna. Os candidatos precisam do apoio de 10% dos deputados, e de algum apoio do eleitorado e de sindicatos para irem a votos.

O The Guardian avança que Starmer decidiu avançar porque os números internos sugerem que vai conseguir o voto da maioria dos membros dos Trabalhistas que vai à conferência.

No entanto, qualquer voto que haja vai ser renhido. “O voto não é garantido. É um grande risco para o Keir e as probabilidades de uma grande derrota na conferência é possível. Mas o cálculo é que vai parecer pior se ele não fizer nada e parecer que não está no comando”, revela um conselheiro ao jornal inglês.

Muitos membros mais moderados do partido apoiam a mudança, já que acreditam que os políticos eleitos, neste caso os deputados, reflectem melhor a visão dos eleitores e não apenas dos activistas.

O sindicatos também ganhariam mais poder, mas isso não os agrada necessariamente. Entre si, os sindicatos representam metade dos votos na conferência e terão uma influência enorme sobre se a proposta avança – e já algum tempo que Starmer tenta convencer três dos mais importantes (Unison, Usdaw e GMB), ainda sem sucesso.

As centrais sindicais que têm uma liderança de esquerda e que ainda são fiéis a Corbyn não vêem a mudança com bons olhos e acham que dá demasiado poder aos deputados em detrimento dos membros.

Numa entrevista à BBC, Sharon Graham, a nova líder do importante sindicato Unite, afirmou que Starmer não tinha falado da ideia com ela previamente e que devia “pensar de novo”. “As pessoas vão lembra-se de que na sua conferência, os Trabalhistas falaram em regras em vez de problemas no país. Isso é um erro enorme“, avisa.

“Estamos a tentar salvar a liderança dos Trabalhistas deles mesmos. Este não é o caminho a seguir”, afirma Sharon Graham, que foi recentemente eleita e já escreveu uma carta aos deputados a apelar a que se oponham à mudança, que descreve como “injusta, anti-democrática e um passo atrás”.

A líder sindical não vai atender a conferência, mas nega que esteja a afrontar Keir Starmer. “Definitivamente não é uma afronta, fiz uma decisão de prioridades. Estou há dias na liderança, actualmente temos 16 disputas industriais a decorrer. O que eu preciso de fazer é estar com estes trabalhadores na luta e assumir uma liderança pessoal. Estou a mostrar que estou com eles e o Partido Trabalhista tem de fazer o mesmo”, explica.

O grupo de esquerda Momentum também condenou a mudança, com o vice-presidente Callum Bell a falar mesmo numa “guerra civil” no partido e que “Starmer encara os membros com desprezo“.

O deputado Sam Tarry também escreveu no Twitter que não pode “apoiar um plano regressivo” que vai “dividir o nosso movimento”. “Somos um partido e devemos todos ter uma voz igual na escolha de quem lidera qualquer governo Trabalhista”, critica.

John McDonnell, da ala esquerda do partido, também criticou a concentração de Starmer em “perseguições de facções internas” na primeira reunião do partido desde o início da pandemia.

No entanto, o deputado Neil Coyle apelou aos esquerdistas que apoiassem as mudanças para que o partido pudesse regressar ao poder. “Precisamos de escolher alguém que possa realmente ganhar e não outro perdedor numa escala épica, como tivemos antes”, afirmou, numa referência à derrota de Jeremy Corbyn nas legislativas de 2019, que foi a pior nos últimos 84 anos para os Trabalhistas.

Já Ed Miliband, que criou o sistema que Starmer quer reverter, também apoia a mudança por acreditar que é uma decisão que cabe ao líder. “A intenção de Keir Starmer é colocar o Partido Trabalhista em contacto com os eleitores – essa é a principal coisa”, defende.

Corbynistas não esquecem relatório da EHRC

Vários aliados do líder acreditam que este é o momento para Starmer afastar-se definitivamente da era de Corbyn, depois de ter apoiado em Julho uma purga dentro do partido aos membros fiéis ao anterior líder.

Recorde-se que em Outubro de 2020, Jeremy Corbyn foi suspenso e depois reintegrado em por ter dito que as acusações de anti-semitismo dentro do partido eram exageradas, apesar de admitir que alguns casos eram preocupantes.

Em causa está um relatório elaborado pela Comissão para a Igualdade e Direitos Humanos (EHRC) que detalhava incidentes de anti-semitismo.

No entanto, o relatório causou polémica e foi acusado de conter mentiras e de ser usado como arma política. Os apoiantes de Corbyn apontaram várias falhas no documento, como por exemplo a referência a um vídeo de 2014 na Tunísia em que o líder trabalhista teria colocado flores nas campas de terroristas que mataram atletas olímpicos israelitas em 1972. Os esquerdistas defenderam que na verdade os homens estão enterrados na Líbia e que Corbyn estava a honrar as campas de activistas palestinianos matados pela Mossad.

Os esquerdistas desconfiam também da imparcialidade da EHRC porque a entidade recebe fundos governamentais, apesar de ser independente do Estado. Em Maio de 2019, o Conselho de Muçulmanos da Grã-Bretanha (MCB) também pediu à EHRC que investigasse a islamofobia dentro do Partido Conservador.

A MCB enviou várias exemplos de declarações discriminatórias de membros do partido, incluindo de Boris Johnson, que já se disse que as muçulmanas de burqa parecem “caixas do correio” e “assaltantes de bancos” e que o “Islão é o problema” e que a islamofobia é apenas “uma reacção natural” ao Corão.

Depois de não obter resposta, o MCB continuou a insistir, ao que a EHRC respondeu que estava a avaliar se “era necessária alguma acção”. Finalmente, em Maio de 2020, a EHRC disse que não era “proporcional” avançar com um inquérito porque os Conservadores iam fazem uma investigação interna a eles próprios.

A purga da esquerda

Os Corbynistas acreditam também que os meios de comunicação não analisaram o relatório da EHRC com rigor suficiente e que tinham uma agenda contra Jeremy Corbyn. Em Julho, 15 meses depois de ser eleito líder do partido, Starmer apoiou uma purga dos esquerdistas do partido, o que causou ainda mais divisões.

Vários grupos como o Resist, ou o Labour Against the Witchhunt foram expulsos do partido. Norman Thomas, fundador da Labour in Exile Network, outro grupo banido, disse que num comunicado que há um consenso de que “Starmer é patético a lutar contra os Tories, mas esgota-se nos ataques aos seus próprios membros” e que o líder “destruiu a democracia no partido para se livrar de milhares de pessoas”.

Na altura, Thomas acrescentou também que haveria mais oposição na conferência que arranca hoje. “Este é só o começo da luta. Nós estamos a lutar pelo futuro do partido Trabalhista”, afirmou.

A oposição a Starmer cresceu ainda mais quando o líder disse numa entrevista ao Financial Times que o partido tem de “abraçar o legado de Tony Blair“, que é odiado pela esquerda devido às suas políticas económicas e por causa da guerra no Iraque.

Keir Starmer apontou o dedo aos membros demasiado focados em lutas internas e sublinhou que o partido não se devia afastar das políticas de Blair se for sério sobre chegar ao poder, referindo-se às três eleições vencidas pelo antigo primeiro-ministro britânico, uma deles com uma larga margem, em 1997.

As críticas à liderança aumentaram ainda mais depois da derrota humilhante para os Conservadores em Hartlepool, que era uma fortaleza do partido há 62 anos.

Uma recente sondagem também mostra que Starmer tem crescido nas intenções de voto – mas entre os liberais-democratas, sendo mais popular com este grupo do que com os membros do próprio partido.

Com uma divisão tão profunda entre uma ala mais conservadora e uma mais esquerdista, uma coisa é certa, independentemente do resultado da proposta de mudança na eleição do líder – as lutas internas dentro do Partido Trabalhista ainda vão fazer correr muita tinta.

Adriana Peixoto, ZAP //

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