À semelhança do que aconteceu em eleições anteriores, eleitores que recebam testem positivo nos sete dias antes das eleições não poderão exercer o seu direito de voto, devido às regras da Comissão Nacional de Eleições.
Serão “números nunca vistos”. Foi assim que o matemático Carlos Antunes descreveu o cenário que se viverá nas primeiras semanas de janeiro em Portugal face ao crescente número de casos de covid-19 que se têm vindo a registar e que deverão colocar cerca de 600 mil pessoas em isolamento. Deste número, metade corresponde a casos positivos e a outra metade a contactos de risco, pelo que terão de permanecer em casa.
“Cerca de 6% da população estará em confinamento porque tem covid ou teve contacto com alguém com o vírus”, explicou o especialista da Universidade de Lisboa ao Expresso, baseando-se nos valores do R(t) — número de infeções que uma pessoa com covid-19 pode provocar —, que nunca foram tão altos como agora. O especialista aponta ainda para uma tendência de “estabilização“, à luz do que tem acontecido noutros países.
No entanto, esta tendência — que do ponto de vista epidemiológico pode ser positiva —, terá consequências negativas ao nível da participação cívica dos portugueses, com muitos a ficarem privados de exercer o seu direito de voto face aos apertados critérios da Comissão Nacional de Eleições, à semelhança do que já aconteceu com atos eleitorais anteriores, em que os infetados terão de se inscrever numa plataforma entre o 10.º e o 7.º a contar até à data das eleições para poderem votar antecipadamente a partir do seu domicílio.
Todos os que recebam um teste positivo nos sete dias anteriores às eleições, ficam impedidos de votar — tal como aconteceu com 135 mil pessoas nas eleições presidenciais de janeiro, mas que, à luz dos números atuais, se preveem que sejam muitas mais no próximo mês de janeiro. Contactada pelo Observador, a CNE remeteu mais esclarecimentos para o Ministério da Administração Interna, o qual enfrenta atualmente uma limitação grave: a Lei Eleitoral já não pode ser alterada, pelo que, como aconteceu noutros países, não será possível estender as eleições por dois dias ou criar horários só para isolados.
Em novembro, deu entrada no Parlamento uma proposta que visava permitir o voto em confinamento (prorrogando o regime excecional de exercício do direito de voto). A proposta acabaria por ser votada e aprovada, mas por resolver ficou a questão dos infetados nos sete dias imediatamente antes — a principal excecionalidade prevista é que os eleitores isolados, apresentando uma prova dessa condição, possam votar antecipadamente em casa ou, no caso dos idosos institucionalizados, num lar ou residência. Os eleitores têm também de ter o regime de confinamento decretado pelas autoridades de saúde.
Por esta altura, as alterações à Lei Eleitoral já não são possíveis por duas razões: primeiro, a Assembleia da República está dissolvida e, segundo, porque a Lei Eleitoral não pode ser alterada depois de serem convocadas eleições, explicou Pedro Delgado Alves, vice-presidente da bancada parlamentar do PS e um dos subscritores da proposta aprovada pelo parlamento. O deputado reconhece que para as pessoas que tenham resultados de testes à covid-19 positivos nas vésperas das eleições “não há mesmo alternativa“.
“Há limitações logísticas. Estas medidas que minimizam, mas infelizmente não conseguem resolver tudo. Estamos em situação de crise. É como se existisse uma situação de calamidade natural e as pessoas de determinada zona ficassem impedidas de votar”, explicou Pedro Delgado Alves ao Observador.
Para se perceber o impacto de que o confinamento de mais de 600 mil pessoas pode ter, o mesmo jornal lembra as eleições legislativas de 2015, na qual a coligação PaF (PSD e CDS) venceu por um diferencial de 335 mil votos. Na altura, PS e PSD partiram para o ato eleitoral tão renhidos como estão atualmente, pelo que um número tão elevado de eleitores impedidos de votar poderá ser significativo para o desenlace da vida política nacional. Esta é precisamente a opinião de Jorge Fernandes, politólogo e investigador auxiliar no Instituto de Ciências Sociais da Universidade, que fala até numa “farsa eleitoral“.
“Se chegássemos a uma situação que 600 mil pessoas por questões de saúde não teriam possibilidade de ir votar, nem de lhes fosse dada qualquer alternativa, estaríamos perante uma farsa eleitoral”, defendendo que “não se pode tirar 600 mil eleitores de uma votação”. Uma solução aceitável para o próprio, a confirmarem-se os piores cenários seria adiar o ato eleitoral, apesar de reconhecer que está é “uma decisão difícil de tomar”. Ainda assim, ressalva que a situação é “muito delicada“, pelo que “não há uma solução que seja boa“.
Neste contexto, os partidos já começam a apontar o dedo ao Ministério da Administração Interna, a quem acusam de inoperância. João Cotrim Figueiredo, advertiu que “podemos chegar às eleições com meio milhão de pessoas em isolamento” e que “estas pessoas têm direito a votar“. Para o deputado, o Governo via MAI não pode esperar mais para arranjar uma solução. Se for preciso é pôr a polícia a ir buscar votos a casa”. “A pandemia não pode suspender a democracia”.