Há cerca de um mês, investigadores do MIT anunciaram ter conseguido pela primeira vez editar com sucesso o ADN de embriões humanos, com o objetivo de corrigir genes que causam doenças hereditárias. Agora, investigadores conceituados levantam sérias dúvidas ao estudo.
Segundo foi revelado em julho, Shoukhrat Mitalipov, investigador da Universidade de Ciência e Saúde, no Oregon, terá usado a técnica de edição de genes CRISPR, uma ferramenta que permite cortar uma porção de código genético e introduzi-la novamente num ponto específico da cadeia de ADN, permitindo o seu estudo em tempo real.
Os três estudos realizados com a polémica técnica foram liderados por investigadores chineses, que foram pioneiros no uso, e os cientistas americanos olhavam para os resultados conseguidos com um misto de assombro, inveja e alarme.
Mitalipov deu conta de ter conseguido replicar a técnica num grande número de embriões, e assim provado que é possível alterá-los geneticamente de forma segura e eficiente, e abrindo a porta, diz o MIT Technology Review, a um Admirável Mundo Novo no que respeita a manipulação genética.
Ao alterar o código de ADN de embriões humanos reais, os cientistas pretenderiam mostrar que é possível corrigir genes defeituosos durante o desenvolvimento do embrião, antes que se transforme num feto.
Mas, no caso de um embrião que se desenvolvesse e se tornasse num bebé, se esse bebé crescesse até à fase adulta, poderia gerar os seus próprios filhos, e os seus genes modificados seriam transmitidos hereditariamente. Ou seja, as doenças congénitas que o embrião tinha originalmente no seu ADN seriam eliminadas da sua linhagem.
Shoukhrat Mitalipov, biólogo famoso por ter criado células estaminais com base em células da pele, anunciou ter curado embriões humanos com miocardiopatia hipertrófica após ter reparado uma mutação muito comum que provoca esta doença hereditária e fatal.
Como a doença é provocada por um erro na informação transportado no gene MYBPC3, os cientistas terão utilizado o CRISPR para “cortar” a informação genética errada e colar uma versão correta.
No entanto, o estudo foi agora posto em causa por reconhecidos investigadores na área das células estaminais e da genética. Segundo o Observador, que cita um artigo da bioRxiv, não há um mecanismo biológico que explique como é que uma mutação genética no espermatozoide pode ser ultrapassada usando a versão do mesmo gene transportado no óvulo.
Os investigadores acreditam que a equipa nunca terá “conseguido consertar a mutação genética” e que “foram levados a pensar que o tinham feito porque usaram um teste genético adequado”.
Na altura da experiência liderada por Mitalipov, dos 58 embriões que resultaram dessa fertilização in vitro pioneira, 42 ficaram completamente livres da mutação do gene que provocava a miocardiopatia hipertrófica, por isso o cientista anunciou um sucesso de 72% nesta técnica.
No entanto, Dieter Egli, cientista de células estaminais da Universidade de Columbia, e Maria Jasin, bióloga de desenvolvimento do Centro de Oncologia Sloan Kettering, realizaram um novo estudo e acreditam que há razões para crer que nada disto realmente aconteceu.
Egli avança com duas possíveis justificações que contam como é que Mitalipov pode ter interpretado erradamente os resultados da experiência: após a fertilização, o material genético do espermatozoide e do óvulo ficam separados em extremidades opostas e separados por uma membrana durante umas horas.
Isso tornaria muito difícil para o CRISPR recortar a mutação errada de uma parte e ir buscar a informação genética certa à outra parte, num processo chamado “recombinação homóloga”.
De acordo com Dieter Egli e Maria Jasin, esse processo pode não ter sido detetado pela equipa de Mitalipov porque podem ter usado um ensaio genético que ocultou um outro mecanismo: o CRISPR pode ter simplesmente cortado a informação genética vinda do progenitor sem nunca ter substituído esse material por outro.
Para corrigir o espaço vazio, o CRISPR pode ter “cosido” as extremidades do ADN que estavam soltas juntando peças aleatórias.
A segunda explicação dada por Dieter Egli e Maria Jasin afirma que pode ter-se dado um fenómeno chamado partenogénese, que ocorre quando um ser vivo se desenvolve sem a participação da informação genética de um macho e de uma fêmea, mas apenas da progenitora.
Quando questionado pela Nature, Mitalipov diz que “o estudo assinado por Egli não acrescenta nada de novo, apenas oferece explicações alternativas para os nossos resultados com base em puras especulações”. E promete responder às críticas “ponto a ponto” sob a forma de uma revisão formal por parte de outros cientistas do mesmo campo, algo fundamental para que uma experiência científica seja considerada válida.