Investigadores do Japão fizeram a melhor análise do genoma tardígrado até à data e revelam alguns dos truques que estes animais microscópicos, considerados os mais resistentes do mundo”, usam para se manterem vivos.
Os tardígrados, também conhecidos como “ursos de água“, são animais microscópicos muito resistentes que podem sobreviver a todos os tipos de condições extremas.
No início do ano, os cientistas conseguiram ressuscitar um exemplar de urso de água encontrado congelado, há 30 anos, no Polo Sul, um recorde para a espécie.
Agora, num novo estudo publicado na Nature Communications, o geneticista Takekazu Kunieda e os seus colegas da Universidade de Tóquio apresentaram uma análise genética do Ramazzottius variornatus, a espécie mais resiliente de todo o clã tardígrado.
Os resultados mostram que os animais desenvolveram um arsenal único de estratégias para lidar com condições de stress, incluindo uma proteína que protege o ADN dos danos da radiação.
Quando os investigadores transplantaram esta proteína para células humanas cultivadas em laboratório, as mesmas proteções mantiveram-se.
Esta descoberta pode ter aplicações como novos métodos de preservação celular, terapias genómicas e ciência dos transgénicos.
O gene tardígrado
Os tardígrados são animais “extremófilos”, o que significa que podem sobreviver a congelamento, desidratação total, radiação e até mesmo ao vácuo do espaço.
Estes seres fazem parte de uma espécie antiga que divergiu de animais ancestrais no período pré-cambriano (600 milhões de anos atrás) e provavelmente evoluiu os seus genes únicos ao longo de um período prolongado de tempo.
Esta não é a primeira vez que os cientistas sequenciam o genoma tardígrado. No ano passado, geneticistas da Universidade de Carolina do Norte (EUA) fizeram uma pesquisa semelhante, revelando uma constituição genética verdadeiramente bizarra deste animal.
Os investigadores afirmaram que 17,5% do genoma tardígrado vem de outros organismos, incluindo plantas, fungos, bactérias e vírus, concluindo que o animal adquiriu muitas das suas características não como resultado de sua própria evolução, mas através de um processo chamado transferência horizontal de genes.
O novo estudo, no entanto, desafia esta noção.
Os investigadores japoneses usaram no seu estudo uma das espécies mais resistentes do planeta, R. varieornatus, enquanto o estudo anterior analisou o Hypsibius dujardini, que está entre as espécies de tardígrado de água doce menos tolerantes.
Além disso, os cientistas da nova pesquisa eliminaram com sucesso todas as bactérias estranhas do genoma do animal, o que lhes permitiu fazer uma varredura sem quaisquer elementos contaminadores. Isto é importante porque os autores do primeiro estudo reivindicaram que uma quantidade incrível de genes bacterianos estava incluída no genoma tardígrado.
Por fim, os japoneses conseguiram sequenciar o genoma a um nível muito mais elevado de precisão, criando um perfil genético 100 vezes menos fragmentado do que o anterior.
Assim, os investigadores observaram que a proporção de genes estranhos do tardígrado é, na verdade, de cerca de 1,2%.
A proteína DSUP
No novo estudo, os investigadores identificaram uma série de genes e processos biológicos responsáveis pela capacidade de sobrevivência notável dos tardígrados.
Por exemplo, o seu genoma contém mais cópias de uma enzima antioxidante e um gene de reparação de ADN do que qualquer outro animal.
Segundo Kunieda, isto ajuda o animal a combater o stress oxidativo quando fica desidratado, e a reparar eficazmente o ADN danificado.
Os investigadores também descobriram que o tardígrado expressa uma proteína específica que se liga ao seu ADN. Esta proteína única, apelidada de DSUP, atua como um escudo contra a radiação de raios-X, impedindo que o ADN se quebre.
Isto ajuda a explicar porque é que os tardígrados são aparentemente imunes à radiação, e porque é que podem sobreviver ao vácuo do espaço.
Esta tolerância a raios-X pode ser transferida para as células de outros animais. Em testes com células humanas, os investigadores demonstraram que a DSUP suprime até 40% dos danos no ADN induzidos por raios-X. Caso conseguíssemos utilizar essa capacidade na prática, a proteína poderia melhorar a nossa tolerância contra raios-X e até nos tornar mais adaptáveis ao espaço.
No entanto, isso não será possível nos próximos tempos, já que as manipulações genéticas necessárias não devem ocorrer no futuro próximo. Além disso, a DSUP não é perfeita, uma vez que só reduz os danos causados pela radiação em cerca de metade.
Por fim, os japoneses desconfiam que os tardígrados usam outras estratégias além da proteína para afastar os efeitos da radiação.
Dito isto, os cientistas não vão parar de estudar este animal inacreditável, até que, eventualmente, encontremos a chave para todos os benefícios incríveis de sobrevivência do urso d’água.