O presidente do Departamento de Química e Biologia Química da Universidade de Harvard foi acusado recentemente de prestar declarações falsas ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos (EUA) sobre a sua ligação com um programa do governo chinês para recrutar cientistas e pesquisadores estrangeiros.
O Departamento de Justiça informou que Lieber, de 60 anos, mentiu sobre seu contato com o programa “Thousand Talents Plan” (“Projeto Milhares de Talentos”, em tradução livre), que os EUA já haviam sinalizado. Foi também acusado de mentir sobre um contrato lucrativo que assinou com a Universidade de Tecnologia Wuhan, na China, noticiou a NPR.
Lieber é acusado de ter recebido mais de 1,5 milhões de dólares (cerca de 1,3 milhões de euros) para criar um laboratório e fazer pesquisas na Universidade de Wuhan. De acordo com as autoridades, o cientista recebeu centenas de milhares a mais ao longo de vários anos, informou a Bloomberg News, citada pelo New York Post.
O agente especial do FBI Robert Plumb, referido pela NPR, disse que Lieber, que liderou um grupo de pesquisa de Harvard facado em nanociência, havia estabelecido um laboratório de pesquisa na Universidade de Wuhan, aparentemente sem o conhecimento de Harvard.
“Isto não é um acidente ou uma coincidência”, disse o advogado norte-americano Andrew Lelling, numa entrevista coletiva em Boston, onde Lieber foi acusado. “Esta é uma pequena amostra da campanha da China para desviar o ‘know-how’ e a tecnologia norte-americanos para proveito próprio”, acrescentou.
O acordo entre Lieber e a instituição chinesa permaneceu durante períodos “significativos”, entre 2012 e 2017. Durante grande parte do período em questão, foi também o investigador principal em pelo menos seis pesquisas do Departamento de Defesa dos EUA, num valor total de mais de oito milhões de dólares (cerca de 7, milhões de euros).
A acusação indica que o cientista foi ainda o investigador principal em projetos financiados pelos Institutos Nacionais de Saúde em mais de 10 milhões de dólares (aproximadamente nove milhões de euros).
“Essas doações exigem a divulgação de conflitos de interesse financeiros estrangeiros, incluindo apoio financeiro de governos ou entidades estrangeiras”, disse a Procuradoria dos EUA em Massachusetts, num comunicado que informa sobre as acusações contra Lieber.
O professor “foi obrigado a trabalhar para a Universidade de Wuhan não menos que nove meses por ano, em projetos de cooperação internacional, atraindo jovens professores e estudantes de doutoramento, organizando conferências, solicitando patentes e publicando artigos” em nome do estabelecimento de ensino, declarou o Ministério Público dos EUA.
Em 2017, Harvard concedeu a Lieber a sua mais alta distinção entregue ao corpo docente, nomeando-o professor universitário – um título que compartilhou com apenas 25 outros membros do corpo docente, revelou o Harvard Gazette. Agora, o académico está proibido de entrar nas instalações da universidade.
Desde 2011, as suas alegadas ações levaram a que a universidade norte-americana tivesse que fazer declarações falsas aos Institutos Nacionais de Saúde sobre o seu trabalho com a China, visto que os subsídios exigiam a divulgação de laços com governos estrangeiros.
“As acusações do governo dos EUA contra o professor Lieber são extremamente graves. Harvard está a cooperar com as autoridades federais, incluindo os Institutos Nacionais de Saúde, e está a conduzir a sua própria revisão da alegada má conduta”, disse ao New York Post um porta-voz da universidade, acrescentando que aquele foi colocado sob “licença administrativa indefinida”.
Lieber licenciou-se em química no Franklin and Marshall College em Lancaster, na Pensilvânia. Concluiu o doutoramento na Universidade de Stanford e o pós-doutoramento no Instituto de Tecnologia da Califórnia. Em 1987, ingressou na Universidade de Columbia como professor assistente. Quatro anos depois, mudou para Harvard.
O docente é um dos vários académicos que os EUA acusaram criminalmente pelas relações que mantém com a China. Em 2019, o pesquisador da Universidade do Kansas Franklin (Feng) Tao foi acusado por ter escondido que trabalhava em período integral para uma universidade chinesa enquanto realizava pesquisas industriais financiadas pelos EUA.
Em dezembro, as autoridades acusaram um estudante de medicina chinês de tentar contrabandear 21 amostras de pesquisas de cancro para fora do país. Zaosong Zheng, de 30 anos, trabalhava em Boston quando foi preso no Aeroporto Internacional de Logan, quando tentava embarcar para a China. O homem admitiu que roubou os frascos do Centro Médico Beth Israel Deaconess, onde trabalhou como investigador.
A tenente do Exército de Libertação Popular da China Yanqing Ye, de 29 anos, foi acusada de mentir no seu pedido de visto para entrar nos EUA, alegando que era estudante. Enquanto trabalhava no Departamento de Física, Química e Engenharia Biomédica da Universidade de Boston, entre 2017 e 2019, recebia ordens de oficiais chineses para realizar pesquisas, avaliar sites militares dos EUA e enviar documentos para a China.
Yanqing Ye foi acusada de fraude na obtenção de visto, conspiração, declarações falsas e atuação como agente ilegal de um governo estrangeiro. Encontra-se atualmente na China.
Além dos espiões tradicionais, “a China está a utilizar o que chamamos de coletores não tradicionais, como professores, pesquisadores, hackers e empresas de fachada”, declarou ao Wall Street Journal Joseph Bonavolonta, chefe do escritório do FBI em Boston.