O fenómeno do “cérebro de carro” refere-se à tendência para assumirmos comportamentos agressivos ao volante que não teríamos noutros contextos.
São inúmeros os casos. Desde buzinadelas despropositadas, ultrapassagens agressivas e gestos e insultos trocados através das janelas, a chamada “road rage” — ou “raiva da estrada” — é um fenómeno quotidiano normalizado, mas que pode até levar a crimes e mortes em casos mais extremos.
Mas a road rage é só uma das partes de um fenómeno mais generalizado: o cérebro do carro. O cérebro do carro descreve uma condição cultural que transforma pessoas geralmente respeitadoras em condutores agressivos ou imprudentes.
É a razão pela qual alguém que nunca empurraria uma pessoa idosa para o lado numa loja pode sentir-se justificado por acelerar numa passadeira enquanto uma pessoa idosa ainda está a atravessar a estrada.
Comportamentos que seriam impensáveis noutros contextos, subitamente parecem normais quando se está ao volante.
As consequências do cérebro de carro estão longe de ser triviais. Todos os dias, mais de 100 americanos morrem em acidentes de viação e inúmeros outros sofrem ferimentos devastadores. Não se tratam de meros “acidentes”, mas dos resultados lógicos de uma cultura que coloca os automóveis acima da segurança.
Acelerar em zonas escolares porque se está atrasado, passar sinais vermelhos porque “só mudou agora de cor” e estacionar nas faixas para bicicletas porque “eles podem dar a volta” são ações que começam como um pequena infração e podem criar um efeito bola de neve que acaba em tragédia, recorda o Fast Company.
Para além dos perigos físicos, os ambientes centrados no automóvel têm um grande impacto na saúde mental. Os especialistas sublinham que o ambiente que nos rodeia afecta profundamente o humor e o comportamento.
Estradas barulhentas e rápidas, concebidas para carros e não para pessoas, colocam-nos num estado constante de alerta e stress.
Nem os próprios condutores são poupados. O isolamento e o stress de ficar preso no trânsito ou de percorrer estradas perigosas só aumentam os sentimentos de ansiedade e agressividade.
Muitos passam a ver os seus carros como extensões de si próprios, o que significa que qualquer inconveniente, como esperar que um peão atravesse, é visto como uma afronta pessoal.
Para curar o stress, o isolamento e a ansiedade que tantos de nós sentem, é essencial desafiar o domínio do cérebro do carro. As soluções passam por reimaginar as ruas como locais de ligação e não apenas como condutas para os automóveis.
Os bairros onde as deslocações a pé, de bicicleta e em trânsito são seguras e dignas podem promover comunidades mais saudáveis e inclusivas — e menos propensas a fenómenos de road rage e cérebro de carro.