Califórnia aprova lei inédita para protecção das crianças online — mas o tiro pode sair pela culatra

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A lei exige que as empresas tecnológicas assumam maiores responsabilidades na protecção da segurança e da privacidade dos menores de 18 anos, mas abre a porta a que seja exigida uma verificação da idade dos utilizadores.

Desde cyberbullying, burlas, predadores sexuais ou conteúdos violentos ou explícitos, há muitos perigos à espreita para as crianças que usam a internet.

Foi para tentar proteger os mais pequenos destes riscos escondidos que o estado norte-americano da Califórnia avançou com uma lei que vai obrigar plataformas como o YouTube, o Instagram ou o TikTok a melhorar os sistemas de segurança e privacidade destinados aos utilizadores com menos de 18 anos.

Estas empresas terão agora de aplicar por defeito as definições de privacidade mais apertadas e vão estar mais restritas quanto à recolha de dados que estão autorizadas a fazer dos utilizadores menores.

A lei também exige uma análise aos algoritmos e produtos das empresas para que se perceba como é que estes afectam os mais jovens, vai obrigar os sites a usar linguagem perceptível por crianças na sua política de privacidade e prevê punições para quem criar sistemas com o objectivo de viciar os utilizadores.

Em 1998 entrou em vigor nos Estados Unidos o Acto da Protecção da Privacidade Online das Crianças (COPPA), mas desde então o uso da internet tornou-se muito mais generalizado e surgiram também as redes sociais, estando esta lei desactualizada tendo em conta o contexto actual.

O COPPA também só inclui crianças até aos 13 anos enquanto que a nova lei californiana chega até aos 18, lembra o Bloomberg Law.

A legislação estadual também vai além do que já existe até agora devido aos produtos e serviços que abrange, visto que se aplica a todos os que “provavelmente são acessados por crianças” e não apenas aos que são criados especificamente para crianças. Ou seja, a lei também se aplica a sites gerais de lojas ou notícias e não apenas a sites educacionais ou de videojogos que têm as crianças como público-alvo.

Prevê-se que a legislação entre em vigor em Julho de 2024 e as empresas podem ter de pagar multas entre os 2500 e 7500 dólares por cada utilizador a quem não estejam a aplicar as medidas.

In 2021, Meta whistleblower Frances Haugen revealed internal research at the Instagram parent company that showed the drastic mental health impacts of the app on teen users. Such revelations intensified calls from advocacy groups to strengthen protections for young users. Many have called for the federal children protection law, known as Coppa, to be updated to better protect children.

Uns aplaudem a lei, outros criticam-na

Os activistas pela segurança das crianças aplaudiram a decisão. A lei é “um enorme passo em frente para se tornar uma internet que as famílias e as crianças merecem”, afirma Josh Golin, director executivo do grupo Fairplay, ao The Guardian.

“Durante muito tempo, as empresas de tecnologia tratam os seus problemas chocantes de segurança e privacidade como uma questão de relações públicas que só foi respondida com promessas vagas, ofuscações e atrasos. Agora, as plataformas de tecnologia terão de priorizar os interesses dos jovens californianos em vez dos dividendos dos accionistas”, acrescenta.

Já Nichole Gill, directora executiva do grupo Accountable Tech, também considera a lei um avanço importante para a criação de um futuro “em que a internet está fundamentalmente focada no interesse dos jovens”.

No entanto, nem todos estão tão optimistas. Uma das principais críticas é quão vaga a lei é, especialmente quando se trata da certificação da idade dos utilizadores. Actualmente, as redes sociais exigem que os utilizadores tenham, no mínimo, 13 anos, mas as crianças facilmente conseguem mentir sobre a data de nascimento.

A lei californiana determina que as empresas devem “estimar a idade das crianças com um nível razoável de certeza”, mas não adianta mais detalhes. Afinal, como é que essa verificação será feita?

Será que os utilizadores terão de enviar a sua documentação pessoal para as empresas certificarem a idade? Poderão as gigantes tecnológicas usar o histórico de pesquisas para estimar a idade dos utilizadores? Pode uma lei com a intenção de proteger a privacidade online acabar por exigir a recolha de ainda mais dados? Estas e outras questões preocupam o professor de direito Eric Goldman.

“A lei vai dramaticamente prejudicar a experiência na internet para todos e vai dar poder a um regulador focado na censura que não tem nenhum interesse ou perícia no equilíbrio dos interesses complexos em causa”, critica.

O especialista acredita que estas exigências vão “mudar a arquitectura fundamental da internet de um ambiente onde podemos andar livremente para um em que temos de autenticar a nossa idade cada vez que vamos a um site“.

Já Justin Brookman, director das políticas tecnológicas da organização sem fins lucrativos Consumer Reports, acredita que todas estas obrigações são simplesmente demasiado vagas para se traduzirem numa verdadeira mudança de paradigma na internet. “Acho que as empresas tecnológicas vão simplesmente ignorar a lei. Parece uma legislação desleixada”, atira, citado pela Wired.

Outra preocupação é a definição vaga da legislação sobre a responsabilidade das empresas de restringir a exposição das crianças a “conteúdos prejudiciais ou potencialmente prejudiciais”.

Esta situação abre a porta a que um site de notícias se, por exemplo, mostrar imagens violentas de um conflito ou abordar temas como suicídio, depressão, distúrbios alimentares ou outros conteúdos que possam ser danosos para a saúde mental dos mais pequenos.

Os apoiantes, por sua vez, acreditam que esta ambiguidade na lei é propositada, já que está prevista a criação de uma agência reguladora que vai fiscalizar a actuação da big tech, incluindo a questão da verificação de idades.

Assim, o regulador vai agir em cada caso específico para determinar como é que cada empresa tem de actuar para estar dentro dos confins da lei.

Adriana Peixoto, ZAP //

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