Esta quarta-feira, entrou em vigor uma lei no Brasil, “contra defensores da escravatura”, que prevê a retirada do busto do padre António Vieira de uma universidade no Rio de Janeiro. Mas seria o diplomata defensor da escravatura? A história diz que não. “António Vieira lutou pela independência do Brasil”.
O Rio de Janeiro vai retirar um busto do padre António Vieira após a aprovação de uma lei que proíbe o município de instalar ou manter estátuas, monumentos e placas de defensores da escravatura.
Uma lista prévia feita pela vereadora Monica Benicio, uma das autoras do projeto de lei, incluiu na lista de estátuas que terão de ser removidas, além da do padre António Vieira, a do Marechal Luís Alves de Lima e Silva, do Duque de Caxias e do patrono do exército brasileiro, apontado por historiadores como racista e autor de um massacre de negros, detalhou o jornal a Folha de São Paulo.
A lista cita ainda uma estátua do general Humberto de Alencar Castelo Branco, o primeiro dos cinco militares que governaram o Brasil durante a ditadura imposta entre 1964 e 1985 e acusado de violações dos direitos humanos.
A lei veta a manutenção ou instalação de qualquer tipo de homenagem que faça menção positiva ou elogiosa a pessoas que tenham praticado atos lesivos aos direitos humanos, aos valores democráticos ou ao respeito à liberdade religiosa.
A norma cita especificamente figuras históricas que defenderam a escravatura ou a eugenia ou que praticaram atos de natureza racista.
“Ao dar visibilidade para determinada pessoa, o Poder Público avaliza os seus feitos e enaltece o seu legado. A história brasileira traz inúmeros momentos condenáveis, dentre os quais podem-se destacar o genocídio dos povos nativos e a escravidão de africanos sequestrados”, argumentou o autor do projeto, o ex-vereador Chico Alencar, citado no Diário Carioca.
Na mesma nota, a coautora do projeto, Monica Benicio, do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), declarou: “É preciso fazer uma reparação histórica sobre esse período, principalmente para marcar posição sobre a identidade e a postura que tomamos hoje sobre o Brasil que queremos daqui para frente”.
Ação ignorante?
Doado pela Câmara Municipal de Lisboa, como retribuição ao busto do escritor Machado de Assis (doado em 2008), o busto em homenagem ao padre António Vieira encontra-se no Rio de Janeiro desde 2011, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
António Vieira, padre jesuíta, teólogo, professor, diplomata e orador eloquente, nasceu em Lisboa em 1608 e morreu no Brasil em 1697. Deixou uma obra documental com 200 sermões e 700 cartas, sendo geralmente conhecido como um dos principais defensores dos direitos dos povos indígenas, especialmente no Brasil, onde, no século XVII, se insurgiu contra a exploração e escravização das tribos indígenas.
Em 2020, a estátua do padre António Vieira, em Lisboa, foi vandalizada.
Na sequência, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, considerou ter sido um gesto “verdadeiramente imbecil” contra a memória do “maior orador português” e “um homem progressista” para a época.
O chefe de Estado manifestou-se contra a vandalização e destruição de estátuas, em geral, defendendo que a história deve ser assumida como um todo, e referiu-se em particular à estátua inaugurada em 2017 no Largo Trindade Coelho, em Lisboa, do padre António Vieira com três crianças ameríndias, que foi pintada com a palavra “descoloniza” a vermelho.
O Presidente da República acrescentou que o missionário jesuíta do século XVII “lutou pela independência, foi um grande diplomata, foi um homem progressista para aquela altura, perseguido pelos colonos portugueses no Brasil, perseguido pela corte, a certa altura, perseguido pela Inquisição“.
“Foi um homem dos maiores escritores portugueses, foi o maior orador português”, prosseguiu o chefe de Estado concluindo: “Portanto, para a sua época, este homem, que era um visionário, ser considerado um exemplo do que se quer destruir e demolir de memória, de testemunho da nossa História, é uma coisa imbecil, verdadeiramente imbecil”.
O busto do padre António Vieira deverá agora ser transferido para “ambiente de perfil museológico e deverá estar acompanhado de informações que contextualizam e informem sobre a obra e o seu personagem”, lê-se na lei.
ZAP // Lusa