Esta poderá ser a maior mortandade de animais selvagens, especificamente vertebrados não piscícolas, registada na era moderna.
As costas altas e pedregosas do nordeste do Oceano Pacífico estão muito mais calmas do que estavam há apenas uma década.
Segundo o Science News, na sequência de uma onda de calor marinho que castigou a região, as colónias de aves marinhas que outrora aglomeravam nas falésias estão agora muito reduzidas, chegando a um quarto do seu tamanho anterior em alguns locais.
Esta perda abrupta de milhões de aves e, provavelmente, de muitos outros animais, pode ser o maior evento de mortalidade de animais selvagens registado nos tempos modernos, referem os investigadores na revista Science.
“Sabíamos que [o declínio da população] era grande, mas os números são um soco no estômago”, diz Heather Renner, bióloga da vida selvagem da U.S. Fish and Wildlife no Refúgio Nacional de Vida Selvagem Marítima do Alasca, em Homer.
A história começa no final de 2014, quando uma onda de calor marinha brutal, apelidada de “Blob“, estacionou sobre o nordeste do Pacífico, elevando as temperaturas do oceano muito acima do normal durante quase dois anos.
O caldeirão colossal provocou uma reação ecológica em cadeia, reduzindo as populações de fitoplâncton e, por sua vez, os peixes forrageiros que aves marinhas como os murres comuns comem.
Em 2015 e 2016, as aves morreram de fome em massa. Renner dirige um programa de monitorização que abrange toda a região e que tem vindo a recolher dados sobre aves marinhas nos últimos 50 anos. A escala do número de vítimas foi imediatamente óbvia.
“Percebemos logo que se tratava de uma grande catástrofe“, diz Renner. “Foram 62.000 carcaças que deram à costa nas praias, em todo o Golfo do Alasca, até à Califórnia. Foi claramente um grande problema, mas não conseguimos quantificar muito bem a dimensão da mortalidade”.
Para ter uma ideia melhor do impacto total na população de murre, a equipa utilizou dados de contagem de colónias de 1995 a 2022, recolhidos em 13 colónias ao longo das margens o Mar de Bering e do Golfo do Alasca.
Depois de obterem contagens de aves antes e depois da vaga de calor, os investigadores extrapolaram esses resultados para toda a população de murres do Alasca.
Renner e os seus colegas estimam que a onda de calor matou 4 milhões de murres entre o Golfo do Alasca e o Mar de Bering Oriental. Cerca de metade dos murres da região morreram durante um único inverno.
“Foi muito pior do que pensávamos”, afirma Renner. Ela e a sua equipa sugerem que esta perda é a maior mortandade de vida selvagem, especificamente de vertebrados não piscícolas, já registada na era moderna.
Na mesma vaga de calor, cerca de 10 mil milhões de caranguejos das neves no Mar de Bering também morreram de fome.
A escala e a velocidade do colapso da população de murre comum são chocantes, diz Simon Tye, um ecologista da Universidade do Arkansas em Fayetteville que não esteve envolvido na investigação. “As imagens do antes e do depois [das colónias] são de partir o coração”.
O facto de as aves não terem recuperado mesmo sete anos depois ajuda a rejeitar uma hipótese anterior de que as aves estavam apenas a adiar temporariamente a reprodução para esperar pelas condições climáticas hostis.
As colónias teimosamente escassas podem significar que algo fundamental mudou no ecossistema e que este não pode suportar um regresso aos números anteriores de murres.
Renner afirma que não acredita que tenham sido documentados anteriormente impactos climáticos que tenham provocado uma mudança tão dramática e rápida. Os resultados mostram que mudanças tão intensas podem ocorrer numa escala de anos.
Tye e Renner sublinham que, com a continuação do aquecimento climático, se espera que ondas de calor como a Blob ocorram com maior frequência. Isto pode pôr em perigo populações já vulneráveis de muitos animais que ainda não recuperaram num ecossistema oceânico que está a sofrer com a anterior onda de calor.
Embora haja pouco controlo humano imediato sobre as ondas de calor marinhas, Renner afirma que os resultados sublinham a importância de outros esforços de conservação para as aves marinhos. Estes podem incluir a remoção de predadores invasores ou outras espécies que, juntamente com as oscilações climáticas, criam um stress adicional nas populações de aves marinhas.
“Penso que o facto de o topo da teia alimentar desaparecer é muito importante”, afirma Tye. “Deveria ser uma coisa sinistra para toda a gente“.