A deputada de 27 anos destacou-se nos 50 anos do 25 de Abril. Uma jovem a “ensinar tanto”… E Ana Abrunhosa gostou.
Antes do discurso, sorrisos ou gargalhadas na Assembleia da República. Estreante neste contexto, enganou-se no percurso e ia subir às escadas até à zona de Aguiar-Branco. Não era ali, recuou.
Mas não recuou quando começou a falar.
Ana Gabriela Cabilhas destacou-se na sessão solene dos 50 anos do 25 de Abril. A jovem deputada foi a escolhida para representar o PSD nos discursos do evento.
“Importa renovar o compromisso com o futuro. A minha geração nasceu e cresceu em democracia, somos filhos de um Portugal que germinou na escuridão para dar flor e fruto”.
“Questionemos: a chama da liberdade vibra tão intensamente como há 50 anos? Estamos tão comprometidos como há 50 anos? Vivemos com igualdade empenho a democracia?”
“Abril não é um marco na história; é uma revolução contínua e inacabada. Somos chamados a ser os guardiões do seu futuro, uma democracia que não se contenta em sobreviver, mas em florescer”.
“A solução está nesta câmara, em cada um de nós, recusando que os extremistas dividam a sociedade em dois: os políticos e o povo. Não! Os políticos estão ao serviço do povo, são eles o povo. Aqui, não há nós e eles, somos todos Portugal”.
Assertiva, refrescante, com ideias sólidas. Sem medo de olhar directamente para deputados de Chega, PCP ou BE, quando falou sobre eles.
Estes e outros excertos originaram aplausos espontâneos. Muitos. Não só das bancadas parlamentares de PSD e CDS, mas também de IL e até de muitos deputados de PS e Livre.
Quando acabou, foi a ovação do dia.
Quase um minuto de aplausos de pé, na bancada do PSD. Quase todos os deputados do PS aplaudiram a deputada do “rival” – com destaque para os aplausos prolongados de Francisco Assis e do agrado bem visível da ex-ministra Ana Abrunhosa (que já tinha aplaudido Ana Gabriela noutros momentos).
Ainda mais agradado estava Hugo Soares, o líder parlamentar do PSD que constantemente acenava um “sim” com a cabeça, muito satisfeito com o que tinha acabado de ouvir. Entre gestos de motivação e reconhecimento, a jovem deputada voltou ao seu lugar; sentou-se, os aplausos de pé continuavam e, aí, Ana Gabriela deu sinal de agradecimento mas, talvez um pouco constrangida, aparentemente pediu para os colegas da bancada se sentarem. Já chegava de aplausos, para ela.
No X, outras reacções surgiram: entre o “minha representante”, ou então uma “lufada de ar fresco”, ou mesmo um “histórico discurso” de uma jovem “a ensinar tanto” na Assembleia República e nesta data histórica. E, por falar em Hugo Soares, houve quem agradecesse não ter sido o secretário-geral do PSD a protagonizar o discurso do seu partido: porque teria falado “aos berros”.
Retrato vindo de Branca
Nome completo: Ana Gabriela Oliveira Cabilhas.
Data de nascimento: 11 de Fevereiro de 1997.
Nasceu em Branca, Albergaria-a-Velha, há pouco mais de 27 anos.
A sua faceta de activista, de participante em assuntos comuns, surgiu na transição para o ensino superior, quando deixou a sua terra para estudar no Porto.
Numa “cidade invicta, livre”, uma estudante deslocada tinha de encontrar novos desafios, contou na Antena 3. Procurou a associação de estudantes e foi aí que se tornou mais participativa, com consciência do associativismo estudantil e do movimento cívico. E foi também uma forma de ocupar tempos, não ser só aulas-casa.
“Eu percebi que os problemas que eu sentia e sentíamos nas aulas teriam de ter voz e de ser representados“, acrescentou. Admitiu que há que pensar em “mudar o mundo, sonhar”.
Entre 2017 e 2019, foi presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (AEFCNAUP), tendo ainda integrado o Conselho Pedagógico e o Conselho Executivo da faculdade.
Em 2018 integrou a Mesa da Assembleia-Geral da Federação Académica do Porto (FAP) como vice-presidente e, um ano depois, passou a integrar a direcção da FAP.
Até que, no final de 2020, passou a ser presidente da FAP. A segunda mulher a liderar a instituição, a primeira ligada directamente à Universidade do Porto.
Na altura tinha 23 anos e estava no segundo ano do mestrado em Ciências do Consumo e Nutrição (que entretanto concluiu).
Depois de ser eleita presidente da FAP, destacou: “O emprego jovem digno e de qualidade será uma prioridade”.
Reeleita no final de 2021, passou a ser a primeira mulher na FAP a vencer duas eleições para a presidência. E voltou a fazer história quando se tornou apenas a segunda pessoa a estar três anos como presidente da FAP; a outra excepção foi o fundador Diogo Vasconcelos. E reuniu quase unanimidade: em 23 associações de estudantes, 21 votos a favor e 2 em branco.
“O terceiro mandato é a minha última esperança de encontrar juventude nos decisores políticos“, apontou, no final de 2022.
Hoje, e voltando à Antena 3, foca-se em assuntos como: imigração, estratégia de segurança para jovens em Portugal, salários dignos, habitação – “É angustiante”, lamentou.
Curiosamente, esta entrevista foi publicada pela rádio pública um dia antes de o seu nome ter sido integrada na lista da AD para as legislativas de Março; mas nunca se falou sobre o assunto.
No seu perfil no LinkedIn, acrescenta: “Combato as ideias feitas de que a juventude está apática, é desinteressada e não participa. Reclamo por espaço para as novas gerações. Afinal, a minha geração tem muito mais de protagonista do que de espectadora“.
Ainda é nutricionista
Até que passou a ser protagonista noutra escala: foi eleita deputada no dia 10 de Março. Só há nove deputados com menos de 30 anos, Ana Gabriela é uma delas.
No Parlamento vai integrar a comissão de educação e ciência, sendo suplente na comissão de saúde e ainda na de cultura, comunicação, juventude e desporto.
Menos de um mês depois, foi a escolhida para falar no momento histórico dos 50 anos do 25 de Abril.
Há quem diga que o melhor discurso foi o de Rui Tavares. Sim, o líder do Livre teve aplausos de pé do PS, por exemplo.
Mas fica a ideia de que o PSD ganhou os discursos do 25 de Abril por causa de Ana Gabriela Cabilhas.
Também escreveu no Jornal de Notícias e escreve na revista Sábado, onde se apresenta (ainda) como nutricionista. O que é verdade; também integrou a mesa de assembleia geral da Associação Portuguesa de Nutrição.
Mas fica a sensação de que outro destino espera pela jovem deputada.
O melhor discurso foi, sem dúvida, o do “Livre”, seguido do do presidente da Assembleia da República.
A “ovação do dia”. não foi para Rui Tavares, porque faltam à direita, a capacidade, a coragem e a humildade que assistiu ao PS e ao Livre, ao ovacionarem o discurso (muito bom, mas não o melhor) da lufada de ar fresco que inesperadamente irrompeu, em contraste com o esperado bafio pestilento, que habitualmente provêm das bandas da direita.