Os bilionários chineses estão a desaparecer misteriosamente

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Alex Plavevski / EPA

O desaparecimento no mês passado do empresário chinês Bao Fan reacendeu o interesse num fenómeno recente do país: o desaparecimento de bilionários.

O fundador da China Renaissance Holdings – com uma lista de clientes que inclui as gigantes Tencent, Alibaba e Baidu – é visto como um magnata no setor de tecnologia do país.

O caso de Bao segue um padrão já conhecido: esteve desaparecido por dias, até que a sua empresa anunciou que estava a “cooperar numa investigação realizada por autoridades da República Popular da China”.

Como também é comum, ainda não há informações sobre qual órgão do governo está a conduzir a investigação, do que se trata ou qual o paradeiro atual de Bao.

O mistério que envolve o seu desaparecimento ocorre após vários líderes empresariais chineses desapareceram nos últimos anos, incluindo o CEO da Alibaba, Jack Ma.

Embora bilionários desaparecidos tendam a receber muito mais atenção, também houve vários casos menos divulgados de cidadãos chineses desaparecidos após participarem de protestos contra o governo ou de campanhas de direitos humanos.

O desaparecimento de Bao reforça a tese de que esta é uma das formas usadas pelo Presidente Xi Jinping para garantir o controlo sobre a economia da China.

O desaparecimento ocorreu num momento em que o Congresso Nacional do Povo (NPC) planeia rever os últimos anos no sistema de regulação do setor financeiro.

Um novo órgão regulador será criado para supervisionar a maioria dos setores financeiros. As autoridades disseram que serão assim fechadas brechas no sistema atual, em que várias agências – ao invés de um só órgão – monitorizam diferentes aspetos da indústria de serviços financeiros.

Só em 2015, pelo menos cinco executivos ficaram incomunicáveis, incluindo Guo Guangchang, presidente da Fosun International, mais conhecido por ser dono do Wolverhampton Wanderers, uma equipa de futebol da Premier League inglesa. Guo desapareceu em dezembro de 2015. Posteriormente, a empresa anunciou que bilionário estava a ajudar em investigações.

Dois anos depois, o empresário sino-canadense Xiao Jianhua foi detido num hotel de luxo em Hong Kong. Era uma das pessoas mais ricas da China. No ano passado, foi preso por corrupção.

Em março de 2020, o magnata do setor imobiliário Ren Zhiqiang desapareceu após chamar Xi de “palhaço” devido à sua gestão da pandemia. No mesmo ano, num julgamento que durou um dia, foi condenado a 18 anos de prisão por corrupção.

O bilionário desaparecido de maior destaque é o fundador do Alibaba, Jack Ma, que era a pessoa mais rica da China. Desapareceu no final de 2020 após criticar os reguladores financeiros do país. O plano de listar em bolsa as ações da sua gigante de tecnologia, o Ant Group, foi abandonado.

E apesar de doar quase 10 mil milhões de dólares (cerca de 9,4 mil milhões de euros) para o fundo ‘Prosperidade Comum’, não é visto na China há mais de dois anos, embora não tenha sido acusado de nenhum crime. O seu paradeiro é ainda incerto, embora haja relatos de que tenha sido visto no Japão, na Tailândia e na Austrália.

O governo chinês insiste que as ações contra algumas das pessoas mais ricas do país são estritamente legais e prometeu erradicar a corrupção. Mas as ações de Pequim também ocorrem no contexto de décadas de liberalização da que é hoje a segunda maior economia do mundo.

A abertura chinesa gerou uma casta de bilionários que, com a sua imensa riqueza, tinham potencial para exercer um poder considerável no país. Agora, segundo analistas, o Partido Comunista Chinês sob o comando de Xi quer retomar esse poder.

As grandes empresas, especialmente a indústria de tecnologia, viram o seu poder crescer sob as políticas dos antecessores de Xi no poder – Jiang Zemin e Hu Jintao. Antes disso, o foco de Pequim estava em controlar os centros tradicionais de poder, como militares, indústria e governos locais.

Analistas acreditam que Xi manteve um controle rígido sobre essas áreas e ampliou o seu foco para outros setores. A sua política de Prosperidade Comum desencadeou repressões a diversos setores da economia. A indústria de tecnologia foi uma das mais atingidas.

“Às vezes, esses incidentes são orquestrados de forma a enviar uma mensagem mais ampla, particularmente para uma indústria ou grupo de interesse específico”, disse à BBC Nick Marro, analista da The Economist Intelligence Unit.

“No final das contas, isso reflete uma tentativa de centralizar o controle e a autoridade sobre uma certa parte da economia, que tem sido uma característica fundamental do estilo de governança de Xi na última década”, acrescentou.

“Pequim continua focado em garantir que grandes plataformas e ‘players’ de tecnologia não desenvolvam as suas próprias marcas e influências que os tornem difíceis de controlar e mais propensos a ir contra as preferências do governo”, disse Paul Triolo, chefe de política de tecnologia da empresa de consultoria Albright Stonebridge Group.

Para a política de Prosperidade Comum, é fundamental que as mesmas regras sejam aplicadas tanto aos ricos quanto aos pobres. Pequim sustenta que a política visa reduzir a crescente diferença de riqueza, que muitos acreditam ser uma questão importante que pode minar a posição do Partido Comunista se não for abordada.

A desigualdade está a crescer na China e acredita-se que Xi está a ser pressionado por ultraesquerdistas que querem voltar às raízes socialistas do partido.

O mistério em torno do desaparecimento dos bilionários e outras preocupações mais amplas sobre como Pequim lida com o mundo dos negócios podem ter consequências importantes. Alguns analistas sugerem que o governo corre o risco de desencorajar novos talentos empresariais.

“O perigo para Pequim de transformar bilionários tecnológicos em alvos é colocar mais pressão sobre os empreendedores que esperam se tornar o próximo Jack Ma”, referiu Triolo.

Xi parece estar ciente do risco de assustar os empresários. Num discurso aos delegados do Congresso esta semana, enfatizou a importância do setor privado para a China. Mas também pediu às empresas privadas e aos empresários que “sejam ricos e responsáveis, ricos e justos, ricos e amorosos”.

Além do anúncio de um novo órgão para supervisionar o setor financeiro, os banqueiros também foram alertados no mês passado para não seguirem o exemplo dos seus colegas ocidentais “hedonistas”. Analistas veem isso como mais um sinal de que Xi está de olho no sistema financeiro.

“Nos últimos meses, temos visto indícios da agenda da Prosperidade Comum vazar para os serviços financeiros, particularmente no que diz respeito a esquemas de remuneração e bónus para executivos de alto escalão, bem como as diferenças salariais entre a administração e o pessoal júnior”, indicou Marro.

Resta saber se a repressão de Xi aos bilionários o ajudará a aumentar significativamente o seu poder. O que certamente está em risco, porém, é a confiança nos mercados financeiros e nos negócios da China e, em última análise, na economia como um todo.

7 Comments

  1. Embora saindo ao tema da notícia, que me parece importante terem divulgada, deixo aqui um reparo aos redatores deste meio de comunicação, que se refere a um erro muito comum na redação escrita e oral de notícias: em português deve dizer-se controlo e não controle (” pelo Presidente Xi Jinping para garantir o controle sobre a economia da China”.

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