O cientista chinês que está a causar controvérsia depois de ter anunciado que criou os dois primeiros bebés geneticamente manipulados, resistentes ao VIH, revela que pode nascer um terceiro bebé, fruto de um embrião modificado noutra mulher.
He Jiankui fez esta nova revelação durante uma conferência sobre edição genética humana em Hong Kong, na China, perante uma audiência de cerca de 700 pessoas.
Além das duas gémeas, que o cientista diz terem nascido depois de os seus embriões terem sido alterados para serem resistentes ao VIH, há uma “outra potencial gravidez” de que pode nascer um terceiro bebé geneticamente manipulado, referiu Jiankui, como cita a CNN.
Esta gravidez ainda estará numa fase prematura e o cientista não revelou muitos detalhes sobre o caso, manifestando-se “orgulhoso” pelas suas conquistas.
Jiankui também adiantou que a sua pesquisa, que foi muito contestada pela comunidade científica, está a ser alvo de revisão para publicação num jornal científico.
O cientista anunciou ainda que vai fazer uma “pausa nos ensaios clínicos, dada a situação actual” de controvérsia.
“Experimentar directamente em humanos é loucura”
Durante a conferência em Hong Kong, o prémio Nobel David Baltimore afirmou que o trabalho de Jiankui mostra que há uma falha de auto-regulação entre os cientistas.
Baltimore sublinhou que o trabalho de Jiankui “seria considerado irresponsável” porque não atendia a critérios com os quais muitos cientistas concordaram durante vários anos, antes que a manipulação genética pudesse sequer ser considerada.
Outro proeminente cientista norte-americano que discursou na conferência, o reitor da Escola de Medicina de Harvard, George Daley, alertou contra uma possível reacção adversa ao anúncio de Jiankui. Para este especialista, seria lamentável se um passo em falso com um primeiro caso levasse cientistas e órgãos reguladores a rejeitar o bem que poderia advir da alteração do ADN para tratar ou prevenir doenças.
Ainda não há confirmação independente quanto à alegação de que estaremos perante os primeiros bebés geneticamente manipulados, mas cientistas e reguladores mundiais foram rápidos em condenar a experiência como anti-ética e não-científica.
A Comissão Nacional de Saúde da China já ordenou às autoridades locais na província chinesa de Guangdong para investigarem as acções de Jiankui. A Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul em Shenzhen, onde o cientista é professor associado, também anunciou a abertura de um inquérito.
A edição genética, com recurso à técnica CRISPR-cas9, que torna possível alterar o ADN para fornecer um gene necessário ou desactivar um que esteja a causar problemas, é ainda um mundo desconhecido. E muitos temem as suas consequências imprevisíveis, nomeadamente para o futuro das gémeas que terão sido geneticamente manipuladas por Jiankui.
A China é pioneira na técnica de edição genética e tem investido milhões de euros em pesquisa nesta área. Mas mesmo no país, muitos membros da comunidade científica vieram a público condenar Jiankui.
“É extremamente injusto para os cientistas chineses que são diligentes, inovadores e que defendem a linha de base da ética científica”, apontam cientistas chineses numa nota divulgada pela CNN. A sua opinião é de que “experimentar directamente em humanos não é nada mais do que loucura“, já que “ninguém pode prever que tipo de impacto vai acarretar”, já que “a substância modificada herdada vai, inevitavelmente, misturar-se com o conjunto do genoma humano”.
Jiankui estudou nas Universidades de Rice e Stanford nos EUA, antes de regressar à terra de origem para abrir um laboratório na Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul, onde também tem duas empresas de genética.
Um cientista norte-americano, o professor de física e bioengenharia, Michael Deem, garantiu ter trabalhado com Jiankui neste projecto. Deem também detém “uma pequena participação” nas duas empresas de Jiankui.
ZAP // Lusa