Parece uma cor como as outras: um azul forte e envolvente. No entanto, a história da sua produção e utilização é a história de um povo americano desfavorecido por pertencer a uma minoria negra.
Há um século, George Washington Carver registou duas patentes relacionadas com o seu novo método de fabrico de tintas e corantes a partir do barro do Alabama.
O cientista e inventor tinha descoberto que o solo rico em ferro podia ser utilizado numa reação química com um composto de potássio e ácido nítrico para produzir um pigmento azul vibrante, conta a CNN.
Esta tonalidade é a mesma que a do “azul da Prússia”, como era denominada a cor utilizada por Picasso no seu “período azul”. Também pode ser encontrado, por exemplo, na famosa pintura da “Onda de Kanagawa”.
Mas os pigmentos de tinta de Carver, mais conhecido pelo seu trabalho com culturas agrícolas, nunca foram comercializados, e o método que o cientista utilizava tornou-se apenas uma das milhões de patentes esquecidas nos arquivos — até há três anos.
Amanda Williams é uma artista e arquiteta americana que “recuperou” o azul de Carver com a ajuda de cientistas. E não sem descobrirem alguns segredos sobre a cor “esquecida”.
“Normalmente, o azul é produzido sinteticamente… mas ele conseguiu obtê-lo a partir de um ingrediente que existia em abundância“, disse Williams. “Portanto, havia um aspeto prático, mas também havia engenhosidade em descobrir que as coisas à nossa volta podem produzir resultados inesperados”.
Williams descobriu que, para Carver, a cor não era só uma invenção maluca — era, sim, uma ferramenta para embelezar as casas dos moradores mais pobres da região, que poderia ser obtida através de recursos naturais.
Tal como no seu incentivo aos agricultores locais para enriquecerem através de colheitas abundantes (que incluíam soja, noz, batata-doce e amendoim), a cor era uma componente fundamental dos seus planos de autonomia, dignidade e prosperidade para as famílias negras do Sul.
O inventor encorajou, então, há um século atrás, os habitantes da sua cidade natal, Chicago, a pintar as suas casas com cores vivas e quis fornecer-lhes os materiais necessários para isso. Era um símbolo de raça, poder, e combate às desigualdades sociais.
Estas cores tinham também um duplo significado: assemelhavam-se também às tonalidades dos mapas governamentais discriminatórios das cidades norte-americanas, que foram utilizados para negar serviços financeiros a bairros essencialmente afro-americanos no século XX.
Esta prática era conhecida como “redlining” e, segundo a CNN, teve efeitos profundos que continuam a afetar as comunidades em dificuldades nos dias de hoje.
Os exemplos mais comuns desta prática prendem-se com a recusa de crédito e de seguros, de cuidados de saúde e desenvolvimento de desertos alimentares em bairros minoritários.
“Ele estava constantemente à procura de uma forma de poder ser autónomo”, disse Williams sobre Washington. “A ideia de criar uma empresa que produzisse esta tinta em massa poderia ser a fonte financeira para poder fazer outros trabalhos“. No entanto, a patente fracassou e caiu no esquecimento, de onde só agora sai.
Agora, como parte da trienal de arte Prospect.6 em Nova Orleães, Williams pintou duas estruturas arquitetónicas importantes para a história afro-americana em azul de Carver, como testemunho das suas capacidades e da inovação negra em geral.
“Estou a certificar-me de que Carver é incluído na conversa, mesmo que seja uma forma diferente de abordar a ideia de cor e pigmento“, afirmou a artista. “Acho muito bonito o facto de, apesar da sua fama e notoriedade como cientista, no fundo, ele ser um pintor e um artista, e isso era igualmente importante”.