Amnistia pede ao G20 que pressione Arábia Saudita por “hipocrisia” sobre direitos das mulheres

A Amnistia Internacional (AI) apelou, esta quinta-feira, aos líderes mundiais presentes na cimeira virtual do G20, que decorre por videoconferência no fim-de-semana, para responsabilizarem a Arábia Saudita pela “vergonhosa hipocrisia” sobre os direitos das mulheres.

Num comunicado, a Amnistia Internacional refere que a cimeira, organizada pela Arábia Saudita, deve constituir uma oportunidade para se pressionar as autoridades de Riad a libertar presos políticos e ativistas dos direitos das mulheres “que estão a definhar na prisão ou a serem julgados” em tribunal.

“Os líderes do G20 presentes na cimeira virtual deste fim-de-semana devem responsabilizar as autoridades sauditas pela vergonhosa hipocrisia sobre os direitos das mulheres”, escreve a organização de defesa e promoção dos direitos humanos, com sede em Londres.

“O empoderamento das mulheres tem destaque na agenda do G20 da Arábia Saudita, apesar do facto de que os ativistas que lideraram as campanhas pelos direitos das mulheres estão a definhar na prisão ou a serem julgados”, acrescenta-se.

Parentes de ativistas presos chegaram mesmo a apelar aos líderes mundiais para boicotarem a cimeira ou para, pelo menos, pressionarem os líderes sauditas a libertar os presos políticos e a garantir o respeito pelos direitos humanos.

A repressão às vozes dissidentes manchou a imagem do príncipe herdeiro Mohamad bin Salmane, que está, simultaneamente, a operar reformas para aligeirar as leis muito conservadoras no reino muçulmano.

No comunicado, a Amnistia Internacional exige, por isso, a libertação imediata e incondicional de cinco ativistas dos direitos das mulheres – Loujain al-Hathloul, Nassima al-Sada, Samar Badawi, Nouf Abdulaziz e Maya’a al-Zahrani – que foram detidas em 2018 pelo trabalho desenvolvido em prol dos direitos humanos.

“Para as autoridades sauditas, a cimeira do G20 é crítica: é um momento para promoverem a sua agenda de reformas para o mundo e mostrarem que o país está aberto aos negócios. Enquanto isso, os verdadeiros reformadores da Arábia Saudita estão atrás das grades”, criticou Lynn Maalouf, vice-diretora regional da Amnistia Internacional para o Médio Oriente e Norte da África.

“Em vez de seguirem a narrativa criada pelo Governo saudita, os líderes do G20 devem aproveitar a cimeira como uma oportunidade para defender os bravos ativistas cujo compromisso genuíno com o empoderamento das mulheres lhes custou a liberdade”, acrescentou.

Para a AI, nos últimos anos, as autoridades sauditas “procuraram reformular a imagem por meio de campanhas caras de relações públicas”, em “que apresentam o príncipe herdeiro, Mohammad bin Salman, como um reformador”.

A organização lembra que, em 2018, as autoridades sauditas acabaram com a proibição de as mulheres conduzirem automóveis no país, “decisão amplamente divulgada e apresentada como uma prova de progresso”.

“Ainda assim, nas semanas anteriores, muitos dos mais proeminentes defensores do direito das mulheres de dirigir na Arábia Saudita foram presos e detidos“, acrescenta-se no comunicado, em que as cinco mulheres são consideradas como as “verdadeiras reformadoras” na Arábia Saudita.

Loujain al-Hathloul, uma das defensoras mais conhecidas do direito das mulheres à condução de automóveis, foi presa em maio de 2018 e detida durante 73 dias na sequência da repressão contra ativistas pelos direitos das mulheres.

Após ser libertada, a ativista continuou a fazer campanha contra a proibição de condução e contra o sistema de tutela masculina, antes de ser novamente presa, estando desde então na prisão.

Nassima al-Sada e Samar Badawi foram detidas em agosto de 2019 pelas mesmas razões, com a segunda envolvida também em protestos contra a detenção do marido, o advogado de direitos humanos Waleed Abu al-Khair, bem como o irmão, Raif Badawi.

Nouf Abdulaziz é uma jornalista e ‘blogger’ que está detida desde junho de 2018, depois de escrever uma série de artigos sobre os direitos humanos no país. Pouco depois da detenção, a colega e também ativista Maya’a al-Zahrani foi presa por ter apelado nas redes sociais à sua libertação.

Todas, refere a Amnistia Internacional, continuam detidas e algumas foram torturadas, maltratadas e mantidas em confinamento solitário.

Pandemia, crise económica e ajudas aos países pobres

A pandemia de covid-19, a crise económica daí oriunda e as ajudas económicas aos 73 países mais pobres do mundo vão centrar os trabalhos da cimeira das 20 economias mais industrializadas do planeta (G20).

Organizada pela primeira vez por um país árabe, a Arábia Saudita, e no formato inédito de videoconferência, a cimeira vai abordar a questão das implicações da pandemia no contexto económico e sanitário mundial – já infetou quase 56 milhões de pessoas e matou mais de 1,3 milhões – e eventuais medidas para relançar a economia no mundo.

Para o Fundo Monetário Internacional (FMI), se, por um lado, a esperança na eficácia das vacinas está a subir, a economia, por outro, está ainda longe de ver a luz ao fundo do túnel, uma vez que as projeções apontam para que o Produto Interno Bruto (PIB) global deva diminuir 4,4% em 2020.

Os países do G20 gastaram já cerca de 11 mil biliões de dólares para salvar a economia mundial e têm pela frente uma “bomba-relógio”: a dívida dos países pobres, que se confrontam com um colapso (menos 700 mil milhões de dólares, segundo a OCDE do seu financiamento externo).

A 13 deste mês, os ministros das Finanças do G20 acertaram um “quadro comum”, que implica pela primeira vez a China e os credores privados, para aliviar o peso da dívida, um avanço em relação à moratória de pagamento de juros implementada em abril, mas ainda insuficiente para as organizações não-governamentais (ONG).

“O G20 está a manter a cabeça na areia e não responde à urgência da situação”, numa altura em que, segundo perspetivou o Banco Mundial (BM), entre 88 e 115 milhões de pessoas deverão cair na extrema pobreza”, referiu Katherine Tu, dirigente da Action Aid.

Uma das soluções seria usar os Direitos Especiais de Saque (SDR) do FMI, um instrumento de financiamento já usado durante a crise económica de 2008. Numa entrevista recente ao Financial Times, o ministro das Finanças saudita, Mohammed al-Jaddan, disse estar confiante nessa solução, apesar das reservas iniciais dos Estados Unidos, cuja participação ao mais alto nível na cimeira ainda está em dúvida, uma vez que Donald Trump, derrotado pelo democrata Joe Biden nas Presidenciais norte-americanas, não confirmou a presença.

Isso diz muito do seu interesse na cimeira do G20. Estas grandes reuniões são, de facto, menos válidas para um programa oficial muito consensual ou para o comunicado de imprensa final, muitas vezes muito suave, do que para as separações entre pessoas poderosas, os laços forjados à mesa, nos intervalos para café, nos corredores ou salas de ginástica dos hotéis”, comentou John Kirton, diretor do Centro de Investigação do G20.

No entanto, para o também professor da Universidade de Toronto, a “diplomacia digital” também tem as suas vantagens, ainda que apenas por questões de logística e segurança, numa região sob grande tensão.

Por outro lado, para Camille Lons, investigadora do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IIEE), a cimeira é “uma oportunidade claramente perdida” para a Arábia Saudita, que “quis aproveitar para melhorar um pouco sua imagem“, maculada pelo assassínio, há dois anos, do jornalista Jamal Khashoggi.

Além da Arábia Saudita, o G20 é integrado pela África do Sul, Alemanha, Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia, bem como pela União Europeia (UE) e pela Espanha, como país convidado permanentemente.

ZAP // Lusa

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