Como fazer os alimentos durarem mais? Eis algumas dicas

É um problema que enfrentamos desde que começamos a ter acesso a mais alimentos do que somos capazes de comer de uma só vez. Quando a comida é abundante, como fazemos para armazená-la de forma a que dure mais?

Os gregos antigos lavavam os figos na água do mar e secavam-nos ao sol. Na China medieval, limões e laranjas eram revestidos com cera. No Japão do século XV, os legumes eram cobertos com leite de soja para evitar a perda de humidade e prolongar a sua duração. E, na Inglaterra do século XVI, eram envoltos em banha.

Os consumidores são responsáveis por apenas parte do desperdício de alimentos. Cerca de 17% dos produtos para consumo são deitados fora, mas este percentual inclui os alimentos descartados pelos supermercados e aqueles que vão para o lixo dos restaurantes, além do desperdício doméstico.

O restante das perdas ocorre nas quintas, durante o processamento, na distribuição e na armazenagem.

Atualmente, evitar o desperdício de alimentos é um desafio tão grande quanto era no passado, mas o que está em jogo é algo diferente. As emissões de gases com efeito de estufa causadas pelo desperdício de alimentos em todo o mundo são cerca de 10 vezes maiores do que o total de emissões só do Reino Unido.

O desperdício de carne contribui para esses números, uma vez que a energia necessária para a sua produção é normalmente muitas vezes maior do que para alimentos de origem vegetal. Se descartarmos 100 gramas de carne, por exemplo, podemos ter desperdiçado o equivalente a até 10 quilos de CO2.

Mas, em termos de massa, são as frutas, legumes e verduras que compõem a maior grupo de alimentos deitados no lixo – cerca de 500 mil milhões de toneladas por ano. No Reino Unido, as laranjas e as tangerinas são as mais desperdiçadas, seguidas pelas maçãs e pelos tomates.

Como podemos então conservar melhor as nossas frutas, legumes e verduras para que as aproveitemos mais? Entre as ferramentas que os produtores têm para reduzir o desperdício, muitas envolvem o uso de plásticos e substâncias químicas.

Um estudo publicado na Suíça em 2022 revelou que os benefícios climáticos de embalar pepinos em plástico são quase cinco vezes maiores do que os prejuízos ao clima causados pela produção da embalagem em si.

Substâncias como cloro, peróxido de hidrogénio e fosfato trissódico, por sua vez, vêm sendo usadas há muito para matar diversos microrganismos em produtos frescos, evitando que estraguem e prolongando, assim, a sua validade. Mas os consumidores estão a evitar produtos químicos e o uso de plástico.

A cloração pode gerar compostos que suspeita-se serem cancerígenos e que podem acabar na água potável, como resultado do processamento industrial dos alimentos, ou até permanecer nos produtos ‘in natura’.

Segundo o cientista alimentar David McClements, da Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos, existe uma “forte tendência de substituir o plástico” e encontrar outras formas de conservação de alimentos, que não envolvam tratamentos químicos.

Enquanto muitas das novas tecnologias ainda estão limitadas aos laboratórios, outras começam a aparecer nas prateleiras dos supermercados – ou estarão disponíveis em breve. Uma tecnologia potencialmente promissora é o revestimento comestível – cobrir as frutas, legumes e verduras com uma película protetora que possa ser consumida.

Revestimentos comerciais modernos vêm sendo desenvolvidos desde as primeiras experiências com soja e banha no Japão, na Inglaterra e noutras partes do mundo. Nos anos 1930, por exemplo, surgiram revestimentos de parafina ou cera de abelha. Na época, encerar frutas como maçãs era popular.

Quando são colhidas das árvores, as maçãs apresentam um revestimento de cera natural, que geralmente perde-se no processo de lavagem. Atualmente, um revestimento artificial é aplicado com frequência às maçãs, laranjas, limões e outras frutas para ajudar a conservar a sua humidade e ampliar a sua vida útil.

Esses revestimentos são bons para limitar a desidratação dos produtos, mas ainda há muito espaço para melhorias.

Para criar revestimentos comestíveis perfeitos, os cientistas têm testando várias substâncias diferentes – incluindo fibroína de seda, quitosana, goma de cajueiro, gelatina de peixes, proteína de feno-grego, proteína de soja, celulose e derivados de algas.

Os revestimentos são aplicados por imersão, pincelamento ou pulverização. Formam uma fina membrana sobre a superfície de morangos ou tomates, por exemplo, reduzindo a transferência de gases e de vapor de água, limitando o escurecimento e a perda de aroma e, por fim, prolongando a validade dos produtos.

Idealmente, esses revestimentos devem vedar bem o alimento, mas sem que fiquem totalmente herméticos – caso contrário, corremos o risco de induzir a fermentação anaeróbica.

Segundo McClements, a quitosana pode ser obtida como subproduto da pesca de camarão e ocupa uma posição bastante privilegiada nos esforços atuais para encontrar o revestimento comestível perfeito.

Um estudo recente mostrou que revestir morangos com quitosana e proteína do soro de leite isolada aumentou a vida útil das frutas em 60%, quando armazenadas no frigorífico. E tomates com revestimento de quitosana e algas verdes permaneceram praticamente perfeitos, mesmo 30 dias após a colheita, enquanto os tomates não tratados apresentaram uma aparência bastante desagradável após o mesmo período.

Diversas empresas estão dedicadas a pesquisas comerciais sobre os revestimentos comestíveis. A startup Apeel Sciences, com sede na Califórnia, produz revestimentos comestíveis com óleos vegetais que podem duplicar a vida útil dos produtos.

Nos Estados Unidos, esses revestimentos são encontrados em maçãs, abacates e limões. No Reino Unido, a empresa estabeleceu parceria com a rede de supermercado Tesco para vender limões e laranjas revestidas. Os tratamentos aplicados à casca de frutas cítricas é uma das razões pelas quais muitas receitas pedem frutas “não enceradas”.

Outra empresa, chamada Liquidseal, vende revestimentos à base de álcool polivinílico para mangas e abacates no Reino Unido. Mas a empresa já desenvolveu um revestimento comestível para pepinos, para substituir o habitual invólucro de plástico, e espera poder vendê-lo na Europa em breve.

Outra forma de impulsionar os revestimentos comestíveis é o uso de nanomateriais – substâncias com partículas de menos de 100 nanómetros, ou seja, mil vezes menores que um fio de cabelo humano. Essas partículas minúsculas podem ser produzidas com recurso a laser, vibrações, extratos vegetais ou até certos microrganismos.

Noutro estudo, depois de uma semana armazenados à temperatura ambiente, a maior parte dos morangos comuns estava coberta de fungos. Já entre os revestidos com quitosana e nanopartículas de prata, apenas 10% estragaram. Cenouras recém-cortadas e revestidas com nanoprata permaneceram conservadas por 70 dias, enquanto cenouras não revestidas duraram apenas quatro.

Mas as nanopartículas não são apenas revestimentos comestíveis. Como algumas são antimicrobianos, podem ser acrescentadas a embalagens de plástico comuns para aumentar a vida útil de frutas, legumes e verduras.

Além disso, podem ser usadas em sensores capazes de informar aos consumidores ou comerciantes quando o alimento não é mais seguro para consumo, ajudando a evitar o descarte prematuro.

Investigadores da Universidade McMaster, no Canadá, já desenvolveram adesivos que podem ser aplicados sobre a embalagem dos produtos, para prever a sua deterioração.

Mas essas intervenções em nanoescala trazem questões de segurança. Em ratos, a ingestão de nanopartículas de óxido de zinco causa lesões renais e hepáticas. E estudos com nanopartículas de prata encontraram toxicidade em organismos modelo, como o nematoide Caenorhabditis elegans, e em células humanas.

“Há riscos em todas as tecnologias inovadoras, e precisamos ter cuidado”, observou Gustav Nyström, cientista dos Laboratórios Federais Suíços de Tecnologia e Ciência dos Materiais.

As nanopartículas de prata e zinco, referiu, podem acumular-se nos tecidos. No entanto, se essas nanopartículas forem bem encapsuladas na embalagem plástica, o risco de migrarem para os alimentos é baixo.

Os bacteriófagos – vírus que matam bactérias – podem ser outra possível solução para prolongar a vida útil das frutas, legumes e verduras, tornando o seu consumo mais seguro. A empresa americana Intralytix já produz misturas de bacteriófagos com este propósito. No momento, estão disponíveis nos Estados Unidos, Canadá e Israel.

Outra empresa, a Micreos, oferece produtos de bacteriófagos para uso em verduras, assim como em brócolos, cenouras e outros vegetais. Os bacteriófagos – também conhecidos como fagos – matam as bactérias ao dissolver ou atacar a sua parede celular, explicou Gerrit Keizer, diretor da Micreos.

Por isso, os fagos têm o potencial de substituir ou reduzir o uso de desinfetantes, aumentando também a validade dos produtos. E os fagos são baratos, fáceis de aplicar e, acima de tudo, inofensivos para os humanos.

“Nós estamos totalmente imersos em fagos. Eles estão em toda parte. Nós os consumimos sempre”, indicou o cientista alimentar Sam Nugen, da Universidade Cornell, nos Estados Unidos. Daqui a alguns anos, produtos protegidos por misturas comerciais de fagos “não serão incomuns” no supermercado, apontou.

Há muitos outros métodos que estão a ser analisados para manter frutas, legumes e verduras frescos e seguros para consumo pelo máximo de tempo possível. Já foram sugeridos água ativada por plasma, tratamentos com ozónio, ultrassom de alta potência e bacteriocinas – proteínas ou peptídeos antimicrobianos produzidos por certas bactérias.

O tratamento de produtos com luz pulsada pode manter os morangos bonitos e firmes por oito dias no frigorífico, enquanto os frutos não tratados começam a amolecer. E os tratamentos com luz pulsada podem aumentar os níveis de substâncias fitoquímicas saudáveis nos alimentos de origem vegetal.

É fundamental para qualquer tecnologia emergente que haja provas de que é segura para os consumidores, além de cumprir a tarefa de conservar os alimentos por mais tempo. Outro desafio é transportar a escala de laboratório para o contexto real.

Enquanto isso, outras soluções para o desperdício de alimentos podem envolver bem menos tecnologia. Um estudo sobre o transporte de tomates na África do Sul, por exemplo, concluiu que grande parte das perdas era causada pelas más condições das estradas. Os tomates simplesmente movimentavam-se demais dentro dos caminhões.

E, em qualquer parte do mundo, o desperdício de alimentos pode ser evitado com o armazenamento adequado e evitando comprar em excesso – ou simplesmente não esquecendo aquela caixa de morangos escondida no fundo do frigorífico.

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