Afinal, o cancro será mesmo uma questão de azar?

National Cancer Institute / Wikimedia

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Uma pesquisa divulgada no fim do ano passado causou polémica ao afirmar que a “má sorte” é um dos fatores que mais causam cancro, mais até do que riscos conhecidos, como o hábito de fumar.

Desde então, houve uma onda de críticas ao estudo americano, conduzido por investigadores da Universidade Johns Hopkins e da Escola de Saúde Pública Bloomberg.

Algumas das críticas eram direcionadas aos investigadores, mas algumas também aos jornalistas, devido a títulos como “Dois em cada três casos de cancro são azar“.

Os artigos sobre o estudo exageraram? O que deveriam ter dito?

Fatores ambientais

Logo à partida, para compreender o estudo, publicado na revista científica Science, ajuda muito conhecer a ciência básica por trás do cancro.

A doença ocorre quando células numa parte específica do corpo começam a sofrer mutações e a reproduzirem-se incontrolavelmente. As células cancerígenas podem invadir e destruir tecidos.

Os investigadores da Johns Hopkins afirmaram ter encontrado uma correlação entre o número de divisão celular que ocorre num determinado tecido e a probabilidade de este se tornar cancerígeno.

Eles analisaram 31 tipos de tecido. “Alguns eram bastante estáveis, como o muscular e o cerebral, que não se dividem quando param de se desenvolver”, disse Paul Zachary Myers, biólogo da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos.

“Estes têm uma baixa probabilidade de desenvolverem um cancro, enquanto o revestimento epitelial do intestino está constantemente a regenerar-se. E são essas as células qie têm uma maior probabilidade de se tornarem cancerígenas”

Se fuma, está a aumentar em muito as hipóteses de ter cancro de pulmão. Outros fatores comportamentais e ambientais são conhecidos por causar esse e outros tipos de cancro.

Mas algumas pessoas que não fumam também desenvolvem cancro. Além disso, outros fatores ambientais e genéticos não têm impacto em outros tipos de cancro.

Assim, quantos dos casos de cancro são causados por um erro aleatório na divisão celular?

Os investigadores dizem que calcularam essa percentagem e chegaram à conclusão de que dois terços (65%) “das diferenças em risco de se desenvolver cancro em diferentes tecidos” se deve a divisões celulares que deram errado, ou seja, “azar”.

Muitos meios de comunicação concluíram que isso significava que dois terços dos casos de cancro eram resultado de uma divisão celular desordenada, mas não era exatamente isso que o estudo dizia. O problema é que, para muitos, não ficou sequer claro o que estava a ser realmente dito.

Críticas de todos os lados

A que se referiam exatamente estes 65%? A explicação mais provável é que os investigadores se referiam à correlação entre divisão celular em diferentes tipos de tecido e à tendência desse tecido de desenvolver um cancro.

Num gráfico com todos os diferentes tipos de cancro, com a frequência de divisão num dos eixos e a frequência do cancro noutro, os pontos no gráfico alinhar-se-iam razoavelmente, com os dados a apontare para uma taxa de divisão celular 65% relacionada com a taxa de cancro.

No entanto, mesmo que estes 65% estejam certos, também há críticas sobre o método de pesquisa.

Os autores do estudo não puderam dar uma entrevista à BBC, mas disseram que estão a escrever um estudo técnico para esclarecer o estudo inicial.

A quem atirar as culpas, então, pelas notícias com títulos confusos?

O epidemiologista George Davey-Smith, da Universidade de Bristol, argumenta que não se pode culpar jornalistas de sites, televisões e jornais de grande circulação.

O título do próprio editorial da revista Science, lembra, era “A má sorte do cancro“, lendo-se logo a seguir que “Análise sugere que maioria dos casos não pode ser prevenida”.

“Não é justo culpar os jornalistas – eles apenas se apoiaram no que a revista e o press-realease diziam”.

Se os títulos eram enganosos, o estudo também foi alvo da mesma crítica, segundo o biólogo PZ Myers.

“A importância do estudo é que afirma, sim, que se tem cancro, não devia culpar-se por isso. Acho que isso é algo que as pessoas que têm cancro gostariam de ouvir”.

ZAP / BBC

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