O ADN humano pode ser sequenciado a partir de pequenas quantidades de água, areia e ar no ambiente para potencialmente extrair informações identificáveis como linhagem genética, género e riscos à saúde, de acordo com uma nova pesquisa.
Cada célula do corpo contém ADN. Como cada pessoa tem um código genético único, o ADN pode ser usado para identificar pessoas individualmente. Normalmente, médicos e investigadores obtêm ADN humano através de amostragem direta, como exames de sangue, zaragatoas ou biópsias.
No entanto, todos os seres vivos, incluindo animais, plantas e micróbios, constantemente libertam ADN. A água, o solo e até mesmo o ar contêm partículas microscópicas de material biológico de organismos vivos.
O ADN que um organismo lançou no meio ambiente é conhecido como ADN ambiental, ou eADN. Nas últimas duas décadas, os cientistas conseguiram recolher e sequenciar eADN de amostras de solo ou água para monitorizar a biodiversidade, as populações de vida selvagem e os patógenos causadores de doenças.
A busca de espécies ameaçadas raras ou evasivas através do seu eADN tem sido uma bênção para os investigadores, uma vez que os métodos tradicionais de monitorização, como observação ou captura, podem ser difíceis e intrusivos para as espécies de interesse.
Os cientistas que usam ferramentas de eADN geralmente concentram-se apenas nas espécies que estão a estudar e desconsideram o ADN de outras espécies. No entanto, os humanos também eliminam, tossem e libertam ADN no ambiente ao seu redor. E um novo estudo publicado na Nature descobriu que sinais de vida humana podem ser encontrados em todos os lugares, menos nos locais mais isolados.
Animais, humanos e vírus no eADN
A equipe usa ADN ambiental para estudar tartarugas marinhas ameaçadas de extinção e os tumores virais aos quais são suscetíveis. Pequenas tartarugas marinhas recém-nascidas perdem o ADN enquanto rastejam ao longo da praia a caminho do oceano logo após o nascimento.
Colher um litro de água do tanque de uma tartaruga marinha em recuperação sob cuidados veterinários também fornece uma riqueza de informações genéticas para pesquisa. Ao contrário da amostragem de sangue ou pele, a recolha de eADN não causa stress ao animal.
A tecnologia de sequenciamento genético usada para descodificar o ADN melhorou rapidamente nos últimos anos e agora é possível sequenciar facilmente o ADN de cada organismo numa amostra do ambiente.
A equipa suspeitava que as amostras de areia e água que estava a usar para estudar as tartarugas marinhas também continham ADN de várias outras espécies – incluindo, é claro, humanos. O que não sabia era o quão informativo seria o ADN humano que se podia extrair.
Para descobrir isso, recolheu amostras de vários locais da Flórida, incluindo o oceano e rios em áreas urbanas e rurais, areia de praias isoladas e uma ilha remota que geralmente nunca é visitada por pessoas. Foi encontrado ADN humano em todos esses locais, exceto na ilha remota, e essas amostras eram de qualidade suficiente para análise e sequenciamento.
Também foi testada a técnica na Irlanda, traçando ao longo de um rio que serpenteia desde o topo de uma montanha remota, através de pequenas aldeias rurais e no mar numa cidade com mais de 13 000 habitantes. Foi encontrado ADN humano em todos os lugares, menos no remoto afluente da montanha onde o rio começa, longe da habitação humana.
Também foram recolhidas amostras de ar de uma sala no hospital veterinário de vida selvagem na Flórida. As pessoas presentes na sala deram permissão para recolher amostras do ar. O ADN recuperado é correspondente às pessoas, ao paciente animal e aos vírus animais comuns presentes no momento da recolha.
Surpreendentemente, o eADN humano encontrado no ambiente local estava intacto o suficiente para identificar mutações associadas a doenças e determinar a hereditariedade genética das pessoas que vivem na área. O sequenciamento do ADN que os voluntários deixaram nas suas pegadas na areia rendeu até parte dos seus cromossomas sexuais.
Implicações éticas da recolha de eADN humano
A equipa chama a recuperação inadvertida de ADN humano de amostras ambientais de “captura genética humana”. Está aberta uma discussão mais profunda sobre como lidar eticamente com o ADN ambiental humano.
O eADN humano pode apresentar avanços significativos para a pesquisa em campos tão diversos como a conservação, epidemiologia, ciência forense e agricultura. Se manuseado corretamente, o eADN humano pode ajudar os arqueólogos a encontrar antigas comunidades humanas não descobertos, permitir que os biólogos acompanhem as mutações do cancro numa determinada população ou fornecer às agências de aplicação da lei informações forenses úteis.
No entanto, também existem inúmeras implicações éticas relacionadas com a recolha e análise inadvertidas ou deliberadas de capturas acessórias genéticas humanas. Informações identificáveis podem ser extraídas do eADN, e o acesso a esse nível de detalhes sobre indivíduos ou populações traz responsabilidades relacionadas com o consentimento e a confidencialidade.
Muitas questões surgem em relação ao ADN ambiental humano. Por exemplo, quem deve ter acesso às sequências de eADN humano? Essas informações devem ser disponibilizadas publicamente? O consentimento deve ser exigido antes de recolher amostras de eADN humano e de quem? Os investigadores devem remover informações genéticas humanas de amostras originalmente recolhidas para identificar outras espécies?
É vital implementar regulamentos que garantam que a recolha, análise e armazenamento de dados sejam realizados de forma ética e adequada.
ZAP // The Conversation