Portugal está a sofrer um “gap” preocupante de médicos jovens – e não é só no Sistema Nacional de Saúde (SNS). Além do perfil etário destes profissionais de saúde, o envelhecimento da população também preocupa. A IA é o que dá mais esperança.
Em entrevista ao Expresso, Isabel Vaz, diretora-executiva do grupo Luz Saúde, falou sobre os problemas do setor, em Portugal.
A liderar um dos principais operadores privados em Portugal há 25 anos, Isabel Vaz apontou que a verdadeira bomba-relógio do SNS é o “perfil etário dos médicos”.
“Há muitos médicos a atingir a idade da reforma. Em 2000, 21% dos médicos tinham mais de 55 anos. Em 2024, 42% dos médicos tinham mais de 56 anos e daqui a 5 anos começam a reformar-se. Da faixa etária dos 40 aos 55 anos, em 2000, eram 51%, hoje são 20%. Está pior e depois os médicos demoram 12 a 14 anos a formar-se. 54% dos médicos obstetras têm idade superior a 56 anos e já não fazem urgências”, apontou.
Isabel Vaz explica que Portugal está a sofrer um “gap” de médicos jovens e dramatiza: “bem podemos berrar”.
“Claro que estão a entrar nas faculdades mais potenciais médicos, mas estamos a sofrer um gap e bem podemos berrar. Os médicos não estão, e não é só no SNS. (…) Temos todos, todos, um problema à nascença e outro quando somos seniores. Temos de ter modelos assistenciais, onde as especialidades rainhas, Medicina Interna (onde a idade média é superior a 45 anos) e Medicina Geral (onde 53% dos médicos têm idade superior a 56 anos), se renovem, se formem”, exemplificou.
Falando em soluções, a especialista em gestão hospitalar considera que o sistema de Saúde tem de ser renovado, com a consciência de que os modelos existenciais não podem ser iguais aos do passado. Mas isso vai demorar tempo.
“Os hospitais públicos têm de estar organizados de forma diferente e, por outro lado, em Portugal temos de ser programáticos. Não vai poder haver tantas urgências abertas. (…) Temos de nos preparar para o futuro, e a medicina é séria e os médicos demoram a formar-se e convém que assim seja“, disse.
“Os médicos estão preparados para ser ‘tropa de elite’ porque a vida deles é isso, apanham sustos. São treinados para isso. O ponto é que a vida dos enfermeiros e dos técnicos e dos médicos é muito exigente e a forma como os preparamos é uma coisa muito séria. Tem de haver uma formação de excelência e temos de ser pragmáticos”, detalhou.
Duas más notícias e uma boa
Questionada sobre se, nos próximos anos, o acesso à Saúde tenderá a ser pior, Isabel Vaz traz “duas más notícias”.
“A primeira é o envelhecimento da população, alteração dos perfis de doença: somos mais doentes e precisamos de mais acompanhamento, isso induz a 50% de mais despesa. A segunda má notícia são as pirâmides etárias dos médicos, estão uma desgraça. Estão contra nós e demora tempo a repor”, sublinhou.
Por outro lado, a Inteligência Artificial (IA) vem dar esperança.
“A boa notícia é que estamos perante uma evolução tecnológica, sem precedentes, que se chama IA, digitalização. Tem de haver um grande investimento em sistemas de informação e eficiência do sistema para colmatar os poucos que somos. Isto passa pela concentração, para ter eficiência de recursos. É o que o Estado e os privados têm de fazer”, considerou.
“Vamos mudar profundamente a vida das pessoas, preparando-as para sobreviverem neste novo mundo e ninguém ficar para trás”, perspetivou.
Repensar o Estado da Saúde
Questionada se seria desejável voltar às Parcerias Público-Privadas (PPP ) Isabel Vaz confessou que gostava que o público e o privado funcionassem de forma harmoniosa.
“O Estado precisa de uma reforma gigante. E até pode decidir ter tudo privado ou com parceria, ou com concorrência a nível de prestação. Pode haver receitas diferentes. Em Portugal ainda não houve capacidade de pensar nisso“, disse.
Ainda assim, a CEO da Luz Saúde elogiou os “pensos rápidos”, que os últimos Governos implementaram: “estão corretíssimos”. Como exemplo deu a gestão do acesso às urgências mediada pelo SNS 24: “Efetivamente as urgências não podem ser usadas como Portugal as usa. Tem de ser concomitantemente com os centros de saúde. E estes têm de funcionar de forma a que as pessoas tenham acesso e conveniência”.
Falando de gestão hospitalar, Isabel Vaz reconheceu que os colegas do setor público “têm uma pressão maior pois o sector é uma arma de arremesso político. É um sector difícil”.