Nova pesquisa sugere que a Placa Índica está a passar por uma “delaminação” à medida que desliza sob a Placa Eurasiática, criando um “rasgão” que ameaça dividir a Índia em duas camadas com cerca de 100 quilómetros de espessura.
De um monumental confronto geológico com mais de 60 milhões de anos, que opôs as placas tectónicas Índica e Eurasiática, nasceu, há entre 50 a 40 milhões de anos, a cadeia montanhosa mais alta do nosso planeta — os Himalaias.
O lento movimento da Índia para norte, a uma taxa de um a dois milímetros por ano, fez com que o continente colidisse eventualmente com a Eurásia, elevando a montanha a uma altura imensa. Mas nem tudo é tão “preto no branco”.
Espessas e flutuantes, acredita-se que as placas continentais — como a Placa Índica — sejam menos propensas à subducção (deslizamento de uma placa tectónica para debaixo de outra), o que levou alguns cientistas a proporem que a Placa Índica desliza horizontalmente sob a Placa Euroasiática, dando origem ao “inchaço” conhecido como Tibete; outros sugerem, no entanto, que a placa se encurva na borda frontal, facilitando a subducção da sua metade inferior.
Agora, um estudo apresentado em dezembro na conferência da União Geofísica Americana de 2023 introduz uma perspetiva revolucionária ao sugerir que a Placa Índica está a passar por uma “delaminação” à medida que desliza sob a Placa Eurasiática.
O processo não só envolve a separação da densa parte inferior da placa da parte superior, como também implica a criação de uma fratura vertical na fronteira entre a secção delaminada e a parte intacta da placa — uma espécie de “rasgão” que ameaça dividir a Índia em duas camadas, cada uma com cerca de 100 quilómetros de espessura.
É como se a parte superior — espessa o suficiente para tal — se estivesse a “descascar” para sustentar o Tibete, enquanto a inferior afunda no manto.
“Não sabíamos que os continentes se podiam comportar desta forma e isso é, para a ciência da terra sólida, bastante fundamental”, diz o professor e geodinamicista Douwe van Hinsbergen, da Universidade de Utrecht, à revista Science.
Padrão curioso impede passagem de hélio
Para verificar a ideia, é impossível perfurar 100 quilómetros, por isso os investigadores baseiam a sua teoria no hélio que borbulha através das 200 nascentes tibetanas analisadas.
Este raro gás, especialmente quando na forma de hélio-3, indica uma proximidade com o manto terrestre. A distribuição de hélio-3 e hélio-4 nas nascentes tibetanas sugere variações na estrutura da placa abaixo do Tibete, reforçando a hipótese de delaminação.
As análises isotópicas divulgaram um padrão curioso: o manto está suficientemente perto da superfície do norte do Tibete para que o hélio-3 possa escapar, mas a sul, o gás que escapa é principalmente hélio-4, levando a equipa a concluir que a placa ainda não se dividiu ali e forma uma barreira que o hélio não pode atravessar.
Nessa área, perto do Butão, o manto penetrou na crosta, dando origem à anomalia.
Além disso, padrões sísmicos na região apoiam esta teoria, indicando uma possível intrusão do manto pelo lado leste do Planalto Tibetano.
“Apanhado em flagrante pela primeira vez”
Estruturadas em camadas, tal como um bolo, como compara o IFL Science, as placas tectónicas têm uma parte inferior formada por rocha de manto solidificada, mais densa que a camada superior.
O conceito de placas tectónicas a abrir ou delaminar não é novo, mas foi maioritariamente teorizado nos interiores das placas continentais e em modelos de computador.
Esta é “a primeira vez que [o processo] foi apanhado em flagrante numa placa submergente”, disse van Hinsbergen.
A zona de colisão dos Himalaias, onde a Placa Índica varia em espessura e composição, é um dos principais locais para tais atividades tectónicas. As diferentes velocidades de subducção das partes oceânicas e continentais da placa provavelmente causaram múltiplos rasgões e puxões em várias direções, supõe a equipa.
O processo faz lembrar as recentes notícias que chegaram sobre o continente africano, que também se está a “partir” ao meio. No entanto, a Índia parece estar a dividir-se horizontalmente, ao contrário de África Oriental, que se está a partir verticalmente, formando um novo microcontinente.
Compreender estes processos tectónicos é fundamental, uma vez que quase todas as massas terrestres da Terra foram moldadas por colisões semelhantes.
O rasgão agora proposto também pode influenciar os riscos de terramotos atuais no Tibete: está alinhado com a fenda Cona-Sangri, o que sugere que o tumulto no interior da Placa Índica pode afetar as condições superficiais.