Consegue estar imóvel, em silêncio e sem expressão durante 90 minutos? Na Coreia do Sul, esse desafio transformou-se numa curiosa tradição anual que atrai centenas de participantes e milhares de espectadores junto ao rio Han, em Seul.
Criada em 2014, a “Space-Out Competition”, tornou-se um fenómeno cultural que celebra a arte de não fazer nada numa sociedade marcada pela procura incessante da produtividade.
As origens da competição são mais artísticas do que desportivas. A ideia surgiu da artista sul-coreana Woopsyang, que a concebeu como um projeto público contra o desgaste do quotidiano moderno.
Num país conhecido pelas longas jornadas laborais, a criadora quis contestar o estigma que associa silêncio e inatividade a desperdício.
“A perceção é que o tempo a divagar é inútil”, diz a artista ao The New York times. “Quis mostrar que este tempo pode ser valioso.” O evento já se estendeu a países como Japão, China, Austrália e Países Baixos, demonstrando que a atração pela imobilidade coletiva é universal.
Na Coreia do Sul, a competição evoluiu para um ritual cultural ao longo do rio Han, em Seul, misturando arte performativa, mindfulness e um desafio silencioso à crença generalizada de que o silêncio é igual a estagnação.
O vencedor da edição deste ano do evento foi Byung-jin Park, de 36 anos, empresário na área das tecnologias e baterista de uma banda punk independente, que em maio superou cerca de 100 concorrentes para conquistar o título de campeão da imobilidade.
Sentado, com um monitor cardíaco, e sob o olhar atento da multidão, Park recorreu a uma técnica simples: respiração abdominal lenta e foco num único ponto, deixando que os restantes pensamentos desaparecessem.
“Esvaziei a mente vezes sem conta, exceto pela ideia de que tinha de ganhar”, confessou Park, após receber o troféu — uma estátua inspirada em O Pensador, de Rodin.
“Para mim, trata-se de organizar os meus pensamentos e emoções. No fim de semana, enquanto trabalhava freneticamente no escritório, pensei: Meu, preciso mesmo de me desligar“, conta Park numa entrevista à National Geographic.
As regras parecem simples. Durante uma hora e meia, os participantes não podem usar telemóveis, conversar ou adormecer. A cada 15 minutos, a organização mede o ritmo cardíaco dos participantes, e o vencedor é escolhido através da combinação entre a pulsação mais baixa e estável e a votação do público.
A diversidade dos concorrentes é parte do espetáculo: este ano participaram de trabalhadores comuns a artistas performativos, incluindo um palhaço, um homem disfarçado de lhama e até a toda a banda punk de Byung-jin Park.
Para quem não está preparado, o desafio pode ser surpreendentemente difícil. A pressão do público, o desconforto físico e a tentação de se mexer aumentam o ritmo cardíaco e testam a resistência.
Vários estudos em ciências sociais indicam que os seres humanos não estão naturalmente inclinados para longos períodos de inatividade.
Segundo um estudo conduzido em 2014 por investigadores da Universidade da Virgínia, nos EUA, muitas pessoas preferem receber choques elétricos ligeiros a permanecer sentados em silêncio durante apenas 15 minutos.
Ainda assim, a ciência sugere que a inatividade tem benefícios. Não fazer nada ativa a chamada “rede em modo padrão” do cérebro, associada à criatividade, ao processamento emocional e à resolução de problemas.
Segundo Hanson Park, psiquiatra e professor na Universidade Nacional de Seul, reservar momentos de pausa é fundamental: “Numa sociedade sobre-estimulada, refletir sobre o eu interior e as emoções permite controlar pensamentos e ações. Esse processo pode reduzir hormonas de stress e, a longo prazo, aliviar ansiedade ou depressão”.
Para alguns, a Space-Out Competition é apenas um espetáculo curioso; para outros, um ato radical. Para os que participam no evento, uma necessidade que merece ser celebrada. Sem telemóveis. Sem conversa. Apenas existir.