Governo quer deixar de criminalizar ocultação de contratos no serviço doméstico – mas não explica porquê

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António Pedro Santos / Lusa

Maria do Rosário Palma Ramalho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

O Governo quer acabar com a criminalização da omissão da contratação de trabalhadores à Segurança Social, o que inclui o setor do serviço doméstico, mas não explica as vantagens da medida, nem o impacto na evasão fiscal e contributiva.

O anteprojeto reforma da legislação laboral que o Governo de Luís Montenegro apresentou aos parceiros sociais em julho, conhecido como “Trabalho XXI”, propõe acabar com a obrigação de comunicação da admissão de trabalhadores.

Neste momento, se os empregadores não declararem uma contratação nos seis meses seguintes ao fim do prazo previsto na lei para procederem a essa comunicação – em regra, nos 15 dias anteriores ao início da atividade – podem ser criminalizados com uma pena de prisão de até três anos ou com uma multa de até 360 dias (até 180 mil euros).

Questionado pela Lusa, o gabinete da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social Maria do Rosário Palma Ramalho não esclareceu a razão pela qual considera positivo deixar de criminalizar a não declaração do trabalho doméstico, tendo em conta o nível de informalidade fiscal e contributiva que lhe está historicamente associado.

Também não respondeu quando questionado sobre o impacto do fim da penalização na evasão fiscal e contributiva.

O anteprojeto de lei da reforma laboral não inclui medidas alternativas para incentivar os empregadores a declararem o trabalho do serviço doméstico. Perguntado se foi ponderada alguma medida nesse sentido e porque não foi incluída no anteprojeto, o gabinete da ministra nada disse.

Quais os riscos da descriminalização?

Advogados da área do direito laboral contactados pela Lusa consideram que a despenalização pode conduzir a um potencial agravamento da evasão fiscal e contributiva num setor já marcado pela informalidade.

Madalena Caldeira, advogada da sociedade Gómez-Acebo & Pombo, em Lisboa, afirma que “a ausência de uma consequência penal pode ser interpretada como um enfraquecimento da tutela do Estado sobre estas obrigações, com o consequente risco de acentuar a vulnerabilidade e desproteção dos trabalhadores deste setor, uma vez que, não sendo efetuada a respetiva comunicação, não lhes será possível realizar as contribuições devidas à Segurança Social”.

Por seu lado, Rita Robalo de Almeida, advogada da Antas da Cunha Ecija, nota que a criminalização tem um papel preventivo, “numa perspetiva psicológica”.

Com o fim da criminalização, acredita, alguns empregadores verão na mudança “uma flexibilização das obrigações contributivas que sobre si impendem, potenciando, assim, comportamentos omissivos, particularmente num setor onde a fiscalização é, ainda, menos incisiva”.

A advogada antecipa também um “incremento significativo de cenários de evasão fiscal e contributiva” se o fim da criminalização não for acompanhado de medidas complementares, como “o reforço da atividade fiscalizadora, a implementação de campanhas de sensibilização junto dos empregadores e a eventual simplificação dos procedimentos declarativos”.

O “Livro Branco Trabalho Doméstico Digno”, editado em abril de 2024 pelo Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas (STAD), identifica a informalidade e a precariedade laboral como características centrais desta atividade.

Descontos cada vez mais desvalorizados

Portugal tem 220,4 mil trabalhadores do serviço doméstico registados na Segurança Social, mas só 23% fazem contribuições sociais.

Segundo dados divulgados à Lusa pelo Instituto da Segurança Social (ISS), dos profissionais oficialmente inscritos com a qualificação ativa de serviço doméstico no fim do ano passado, só 51,5 mil tinham contribuições à Segurança Social.

De acordo com o Livro Branco Trabalho Doméstico Digno, “entre 1990 e 2022, o número de pessoas trabalhadoras domésticas com declarações à Segurança Social baixou 69%” e, em contrapartida, nesse mesmo período, “o número de entidades empregadoras do serviço doméstico aumentou 42%, passando de 334 mil para 475 mil”.

“As pessoas trabalhadoras domésticas têm dado uma importância cada vez mais reduzida ao pagamento dos descontos – por sua conta – para a Segurança Social, assumindo essa responsabilidade os empregadores”, refere-se no estudo.

É obrigatório os empregadores comunicarem a admissão de um trabalhador à Segurança Social e, depois, pagarem as contribuições sociais.

A comunicação deve ser feita até 15 dias antes da data de início do contrato (hoje um empregador pode fazê-lo online, através do site da Segurança Social Direta). Em circunstâncias específicas, esse passo pode ser dado nas 24 horas seguintes ao início da atividade.

Quando as pessoas recebem à hora, o valor do salário declarado que serve de base ao cálculo das contribuições é de 3,01 euros por hora (mesmo que o vencimento real seja mais alto, por exemplo, de oito, nove ou dez euros por hora).

A entidade empregadora tem de declarar, no mínimo, 30 horas por mês, mesmo que o trabalhador da limpeza trabalhe menos horas na casa do empregador.

A entidade empregadora paga 18,9% e o trabalhador 9,4%, o que dá uma taxa contributiva de 28,3%.

Não descontar tem implicações no valor da pensão de velhice e no acesso a prestações sociais, como o subsídio de doença, subsídio de desemprego, subsídios de parentalidade ou reembolso de despesas de funeral.

Também pode ter impacto indireto nas remunerações, uma vez que a inscrição na Segurança Social, independentemente do regime de contrato celebrado, obriga os empregadores a pagarem o subsídio de férias (22 dias úteis de férias por ano) e o subsídio de natal, equivalente a um salário mensal.

Salário médio é inferior a 360 euros

O salário médio dos trabalhadores do serviço doméstico declarado à Segurança Social é, em média, 358 euros, muito abaixo do salário mínimo nacional, segundo dados oficiais.

No entanto, este valor diz respeito apenas ao universo de pessoas registadas na Segurança Social como sendo profissionais do serviço doméstico.

ZAP // Lusa

4 Comments

  1. A ministra não prestou esclarecimentos às questões que lhe colocaram simplesmente porque não soube e certamente não sabe. Aliás, isso é normal. Vai-se para os governos por todas as razões e mais uma, menos para se fazer o que é necessário, porque disso ninguém quer ou não é capaz.

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