/

Incêndios: quando os voluntários (que não são bombeiros) fazem diferença

Pedro Sarmento Costa / LUSA

Jovens europeus fazem vigilância em Arrouquelas. Espaço dos escuteiros em Mascoselo passou a ser ponto de distribuição de comida e bebida para os bombeiros.

O calor não ajuda, o vento também não, as origens suspeitas ainda menos: os incêndios já destruíram milhares e milhares de hectares em Portugal, só ao longo das últimas semanas.

Qualquer ajuda para os habitantes, bombeiros ou proteção civil é bem-vinda. E, nesse contexto, ao longo dos últimos dias surgiram dois exemplos que dão alento. Os voluntários – que não são bombeiros – não são um pormenor.

Cerca de 300 jovens de vários países da Europa participam, até ao final do verão, em ações de vigilância a incêndios, integrados em ações de voluntariado a partir da aldeia de Arrouquelas, no concelho de Rio Maior.

Todos os dias, entre as 08h30 e as 19h00, dois jovens por turno, um estrangeiro e um português, fazem a vigilância da floresta a partir de uma torre de vigia florestal na Aldeia de Arrouquelas”, disse à agência Lusa o coordenador do projeto desenvolvido pela H2O — Associação de Jovens de Arrouquelas, Alexandre Jacinto.

Fazem os turnos na torre “onde avistam uma área até Rio Maior, podendo ser, além de vigilantes, agentes dissuasores nesta época de risco de incêndios”.

O projeto, desenvolvido no âmbito do Programa “Florestas e Natureza” do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ) e do Corpo Europeu de Solidariedade, da Comissão Europeia, vai prolongar-se até ao final de setembro, fazendo com que mais de 300 jovens de diferentes países passem por Arrouquelas, uma aldeia de 700 habitantes no distrito de Santarém.

“Neste momento estão na aldeia 30 jovens, dos quais 14 são turcos, mas o projeto representa uma grande diversidade cultural, juntando jovens de outros países como a Rússia, Bielorrússia, Itália, França, Grécia, Espanha, Alemanha e Roménia”, afirmou.

Em regime de rotatividade, os jovens acampam na aldeia, em grupos de 30, e, além da vigilância sobre a floresta (para a qual recebem formação dos Bombeiros de Rio Maior), dedicam-se a um conjunto de projetos de voluntariado, sustentabilidade e cidadania ativa promovidos pela H2O durante os meses de verão.

“Fazem ações de proteção da natureza, de limpeza de caminhos, de manutenção de espaços verdes, de ajuda a instituições, como um canil e uma associação de recolha de animais”, exemplificou Alexandre Jacinto.

A lista de experiências vai mais longe, “numa aprendizagem mútua em que, por exemplo, os jovens da Turquia, com menos conhecimentos na área da reciclagem, aprendem como se faz e vão de casa em casa, ajudando os idosos a reciclar e a recolher os resíduos”, acrescentou o coordenador do projeto, que este ano terá como novidade “o apoio a uma família na reabilitação de uma habitação degradada”.

Os meses de voluntariado são ainda marcados pela participação na festa da aldeia e por “iniciativas interculturais que trazem um grande dinamismo e movimento a Arrouquelas”, bem como por outras que se estendem pelo concelho, como um almoço que os jovens preparam anualmente para os bombeiros de Rio Maior.

“Num tempo em que as zonas rurais enfrentam desafios de despovoamento e envelhecimento, este é um exemplo inspirador de inclusão, mobilidade internacional e interculturalidade”, afirmou Alexandre Jacinto, fundador da associação.

Bebida para os bombeiros

O espaço dos escuteiros em Mascoselo, Vila Real, transformou-se num “quartel” onde se dão bebidas, comida e uma sombra aos bombeiros, mas dali também saem voluntários de mota para apoiar os operacionais espalhados pela serra fustigada pelo fogo.

Andreia Carvalho da Silva tem percorrido esta parte da serra do Alvão de moto-quatro com bebidas frescas e comida que distribui pelos bombeiros e também populares que estão no combate ao fogo que teve início sábado, em Sirarelhos, concelho de Vila Real, e que está com a situação mais controlada, mas ainda não está em resolução.

“Tem sido uma ajuda. O calor é muito, está como se pode sentir hoje. Dentro do mal conseguimos encontrar algumas partes boas: esta união das pessoas”, afirmou à agência Lusa a fotógrafa e videógrafa independente, de 34 anos.

Estava no Alentejo, mas mal soube do fogo na serra do Alvão veio para Vila Real.

“A minha mãe tem uma casa aqui, é a primeira casa da aldeia de Mascoselo (…) Vim por aí acima porque não é possível ficar simplesmente a ver pela televisão e obviamente que queremos vir proteger tudo aquilo que é nosso, a nossa casa comum, a nossa natureza e até as nossas casas”, salientou.

Andreia e outros voluntários da comunidade uniram esforços com os escuteiros que abriram as portas do Campo Regional de Atividades Escutistas, em Mascoselo, onde desde segunda-feira se começaram a recolher bens doados.

Dali partem de moto os voluntários para distribuição da ajuda, mas ali também se acolhe quem precisa de comer ou de se refrescar das altas temperaturas que se fazem sentir nesta zona.

“Houve aqui uma grande união, muito rapidamente, de uma hora para a outra estava tudo isto montado e isso foi muito importante”, referiu Andreia Carvalho da Silva.

Enquanto circulam de moto, estes voluntários vigiam também as reativações do incêndio e dão o alerta.

“Esse é o nosso maior medo e é por isso que estamos de vigilância”, afirmou.

Rui Dinis, militar da Força Aérea com 23 anos, é de Gontães e estava de férias na aldeia. De scooter percorre também a zona entre Arrabães, Gontães e Mascoselo a levar garrafas de água, maçãs e bolachas aos bombeiros que estão na frente do combate.

“Enquanto vou andando pela estrada da zona onde ardeu vai-se sempre vendo se há algum reacendimento para, se for necessário, chamar os bombeiros. É também para ajudar a manter a população um bocado mais calma e também para ajudar os bombeiros, que não têm um trabalho fácil”, referiu Rui Dinis.

Estas não estão a ser, disse, “as férias que estava a imaginar”.

O espaço dos escuteiros é uma espécie de “área de descanso” para os operacionais poderem comer e descansar.

“Temos muita sombra, aqui está mais fresco. Estamos cá para ajudar”, referiu Raquel Ferreira, dirigente do Agrupamento 212, que explicou que ali se preparam sandes, bebidas energéticas e águas.

Estes escuteiros estavam a chegar de uma viagem a Roma (Itália), onde estiveram a participar no Jubileu quando foram chamados a ajudar.

Andreia Carvalho da Silva destacou a articulação com a Proteção Civil, com os bombeiros e os populares que tinham as cisternas e que “foram cruciais” para a primeira chamada, quando o fogo começou na parte de cima de Mascoselo”. “Eu acho que foi até decisivo essa primeira linha”, apontou.

ZAP // Lusa

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.