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A lenda de Akakor, cidade perdida na Amazónia que abrigou fugitivos nazis

Amazônia Real / Flickr

Vale do Javari, Amazónia

Há 50 anos, um jornalista alemão foi atrás da mítica cidade subterrânea, revelada por um indígena de um povo desconhecido. Anos mais tarde, estrangeiros que tentaram lá chegar desapareceram.

Diz a lenda que uma das civilizações mais antigas do mundo foi fundada por volta de 15 mil a.C., por seres extraterrestres, na Amazónia. A cidade perdida terá também, segundo a lenda, acolhido mais de dois mil nazis que deixaram a Alemanha por volta de 1930, que lá terão vivido escondidos em túneis subterrâneos ao lado dos nativos.

Parece loucura, mas, nos anos 1970, um respeitado correspondente alemão no Brasil, Karl Brugger, acreditou na história. Mergulhou profundamente na investigação e até publicou um livro sobre a cidade mítica de Akakor. Anos depois, foi assassinado quando se preparava para viver na Amazónia e tentar encontrar essa civilização. O caso do jornalista não foi isolado: todos os que partiram em busca da cidade mítica jamais regressaram.

Chronicles of Akakor/Amazon

O escritor e jornalista alemão, Karl Brugger

“Quando se entra, nunca mais se sai”

O enredo atraiu até Jacques Cousteau, além de inspirar obras como Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal (2008), de Steven Spielberg. Hoje, 40 anos após a morte ou desaparecimento de vários exploradores estrangeiros, o mito de Akakor continua a fascinar aqueles que procuram desvendar os mistérios desta história.

O documentarista Rapha Erichsen, autor do recém-lançado livro O Enigma de Akakor: Farsas e Segredos na Floresta Amazónica, é amigo do cineasta Jorge Bodanzky, que trabalhou, nos anos 1970, com Brugger.

À DW, conta que soube da história do “eldorado amaldiçoado” por acaso, quando viu o livro Crónica de Akakor na estante do colega de trabalho, Bodanzky. “Deixa essa história para lá, traz mau agoiro”, terá dito o cineasta. Mesmo assim, e sem pedir, Erichsen levou o livro emprestado.

Desde então, tornou-se mais um fascinado pelo mito. No seu livro-documentário, percorre rotas inóspitas e reúne arquivos da época para tentar desvendar os mistérios da lenda amazónica. “Apesar da fantasia, a trama de Akakor inspira e cativa todos os que se envolvem com ela. Quando se entra nela, nunca mais se sai.”

Como tudo começou

Quando em meados de 1971 Karl Brugger ouviu os relatos do indígena Tatunca Nara, num bar do município de Barcelos, situado a 370 quilómetros de Manaus, os seus olhos brilharam perante o que poderia ser a grande reportagem da sua vida.

Tatunca Nara — homem branco que falava alemão fluentemente — disse ao jornalista que era o herdeiro da civilização mais antiga do mundo, na Amazónia, e que só ele sabia como lá chegar.

Segundo o alegado indígena, Akakor ficava algures entre o Peru, o Brasil e a Bolívia, e tinha outras duas “cidades-irmãs”: Akahim (no noroeste da Amazónia) e Akanis (em Yucatán, no México). As três localidades estariam ligadas por túneis subterrâneos.

O mesmo homem dizia ainda ser filho de um príncipe Ugha Mongulala — a tribo que viveria na cidade mítica — e de uma freira alemã que chegara à Amazónia nos anos 1930. Contou também que o seu povo acolheu e viveu harmoniosamente com dois mil nazis enviados à floresta tropical brasileira por Adolf Hitler, pouco antes de despoletar a Segunda Guerra Mundial.

De facto, os nazis enviaram uma expedição à Amazónia em 1935 para estudar a região. Mas era composta por dois alemães, um luso-alemão e ajudantes locais.

Também por isso, a mítica Akakor fascinou Karl Brugger. Segundo os relatos do estranho indígena, a cidade podia ser reconhecida pelas suas montanhas em forma de pirâmide, mas o caminho permanecia oculto, escondido atrás de uma cascata de acesso quase impossível. O jornalista decidiu encontrá-la e, pouco tempo depois, organizou uma expedição em busca da cidade perdida.

“O que conta é a história”

O então operador de câmara brasileiro Jorge Bodanzky acompanhava Brugger na empreitada. Tinham-se conhecido anos antes, na Alemanha. Juntos, cobriram reportagens na Amazónia, temas sociais críticos e até o golpe de Estado no Chile.

Bodanzky contou que, desde o início, desconfiava daquele suposto indígena que falava alemão. Ainda assim, a perspetiva de registar a descoberta de uma cidade mítica no meio da floresta era demasiado tentadora para ser ignorada.

“Essa primeira expedição foi frustrante. Tatunca deixou-nos encalhados em frente a Barcelos. Foi embora e prometeu trazer uma autorização oficial dos líderes Ugha Mongulala para entrarmos em Akakor, mas nunca voltou, e tivemos de regressar”, recorda o cineasta. Apesar do fracasso da missão, o entusiasmo de Brugger em encontrar Akakor manteve-se.

“No fundo, Brugger acreditava que poderia encontrar Akakor. Uma vez, disse: ‘Se em 1911 descobriram Machu Picchu, porque não seria possível encontrar outra cidade na Amazónia? Era perfeitamente plausível que pudesse haver uma cidade escondida por lá’”, relata Bodanzky.

Além disso, “a história era boa, e para o jornalista o que conta é a história”, lembra Bodanzky, citando as palavras do amigo alemão. A busca incessante por Akakor tornou-se um projeto de vida para Brugger. Em 1976, publicou o livro Crónica de Akakor, escrito a partir dos relatos de Tatunca Nara.

O correspondente alemão, mergulhado na história, já nem temia perder a sua reputação. No livro, aborda a origem do universo até à história moderna, na perspetiva dos supostos Ugha Mongulala. Refere ainda contactos desse povo com egípcios, fenícios e outros, muito antes da chegada dos espanhóis e portugueses.

Quem tentou, morreu

Em setembro de 1971, o município de Sena Madureira, no Acre, sofreu o seu pior acidente aéreo: um avião caiu após uma falha no motor, matando todas as 33 pessoas a bordo. Entre as vítimas estava o bispo Monsenhor Giocondo Grotti, que, segundo relatos, teria recebido de Tatunca Nara documentos e histórias sobre a civilização perdida, embora nunca a tivesse visitado pessoalmente.

Nos anos seguintes, uma série de estrangeiros fascinados pela lenda de Akakor desapareceu na Amazónia após encontros com Tatunca. Em 1980, o norte-americano John Reed, de 28 anos, escreveu aos pais para dizer estar a dois dias da cidade mítica antes de desaparecer. Em 1983, o suíço Herbert Wanner, de 22 anos, desapareceu durante uma expedição com Tatunca; o seu corpo foi encontrado no ano seguinte com um buraco de bala na cabeça.

Karl Brugger foi morto a tiro em Ipanema, no Rio de Janeiro, a 1 de janeiro de 1984, alegadamente durante um assalto. Tinha acabado de deixar o posto de correspondente e preparava-se para ir viver para a Amazónia. No dia da morte, estava com o colega Ulrich Encke, que confirmou que Brugger tentava tirar a carteira quando foi baleado no peito — precisamente no local onde tinha uma tatuagem de tartaruga idêntica à de Tatunca Nara.

Na época, o autor dos disparos foi identificado como um morador da comunidade do Cantagalo, embora a única testemunha tenha viajado para a Alemanha no dia seguinte. Até hoje, o caso não foi resolvido, envolto em suspeitas e teorias da conspiração.

Outra história envolve Christine Heuser, professora de ioga alemã que, após ler Crónica de Akakor, acreditava ter sido casada com Tatunca Nara numa vida passada. Fascinada com a ideia, viajou para a Amazónia, apaixonou-se pelo “príncipe indígena” e, em 1987, decidiu viver na selva. Após uma discussão com Tatunca, partiu sozinha pela floresta. Nunca mais foi vista.

Tatunca Nara não era quem dizia ser

As suspeitas sobre Tatunca chegaram às autoridades. O suposto indígena chamava-se, na verdade, Hans Günther Hauck, um alemão que abandonara a família nos anos 1960 para assumir uma falsa identidade na floresta brasileira. O Ministério Público do Amazonas e a Polícia Criminal Federal da Alemanha (BKA) investigaram Hauck por envolvimento em homicídios e desaparecimentos. Nada avançou. Os processos acabaram arquivados, e Tatunca continuou a viver da fama que criara à sua volta.

Nos anos 1990, o programa Fantástico, da TV Globo do Brasil, foi atrás do “último descendente dos Ugha Mongulala”, mantendo viva a lenda de Akakor e o seu enigmático narrador. Em 2024, um documentário da televisão pública alemã ARD também abordou a história.

Sem comprovação científica

“Ugha Mongulala? Parece nome japonês!”, disse à DW, a rir, um indígena conhecedor dos mitos amazónicos, que vive em Yauaretê, na região do Uaupés, na fronteira entre o Brasil e a Colômbia. Arlindo Maia conta que “nunca ouviu falar de Akakor”.

O arqueólogo italiano Filippo Stampanoni Bassi, diretor do Museu da Amazónia (MUSA), também nunca ouvira falar de Akakor, nem dos alegados Ugha Mongulala. Apesar da recente descoberta, no Peru, de ruínas de uma cidade com 3.500 anos — a mais antiga da América do Sul —, Bassi explicou que não há qualquer evidência nas investigações sobre arqueologia na Amazónia brasileira que indique a existência de pirâmides, muito menos de túneis subterrâneos.

“Temos tecnologia capaz de mapear com precisão estruturas no solo. Sabemos que existiram civilizações interligadas entre si, mas não com esse nível elevado de complexidade”, afirmou.

Além disso, há uma questão ainda mais intrigante sobre Akakor e Tatunca Nara, relacionada com o contexto geopolítico da época. Segundo o documentarista Rapha Erichsen e outros jornalistas que investigaram o tema, existe a hipótese de o “indígena” alemão ter sido informador do regime militar acerca das atividades de Karl Brugger.

“Porque é que Tatunca recebeu um documento de identidade do governo brasileiro? E porque é que as investigações não avançaram no Brasil e na Alemanha?”, questionou também Bodanzky.

Especialistas no tema levantam ainda a hipótese de Tatunca Nara ter ligações com os serviços secretos militares e com estrangeiros interessados em minerais — principalmente urânio, que poderia ser usado em programas nucleares. Na altura, depósitos de urânio estavam a ser identificados em várias áreas da região amazónica.

Mas todas estas teorias carecem de provas. Tatunca Nara continua vivo e a residir em Barcelos, na Amazónia, onde oferece visitas guiadas a quem queira conhecer Akakor.

// DW

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