“Caça ao imigrante” e violência nas ruas. Agressão a idoso fez explodir o ódio em Múrcia

1

PABLO MIRANZO/EPA

Pessoas mascaradas concentram-se no bairro de San Antonio, na cidade de Torre Pacheco, Múrcia, sudeste de Espanha.

Já há 10 detidos. Chega ajudou Vox a partilhar desinformação com dois vídeos que em nada estavam relacionados com as agressões que desencadearam a onda de tumultos.

“Hijos de puta”, “arriba Franco”, “viva Franco”, “a vuestro país” e “me cago en tus muertos”. Estas palavras têm ecoado nos últimos dias nas principais ruas de Torre Pacheco, no bairro de San Antonio, na cidade de Múrcia, depois da agressão contra um idoso que na quarta-feira desencadeou uma autêntica “caça ao imigrante” na pequena comunidade.

A onda de violência começou a assustar a população que, com medo, se refugia em casa, enquanto 90 agentes da autoridade já foram destacados para as ruas, onde grupos violentos têm atacado estabelecimentos de imigrantes.

Agressão a idoso desencadeou violência

A motivação que encontraram foi um ataque na rua a um residente de 68 anos, Domingo.

Com a cara visivelmente inchada e sangrenta, Domingo contou aos meios de comunicação social espanhóis que tinha sido atacado sem motivo aparente por três jovens que pensou ser de origem norte-africana, apesar de não ter visto a sua cara de forma nítida.

A agressão levou vários grupos de extrema-direita a reunirem-se nas ruas da cidade de Múrcia para atacar pessoas de origem africana. Desde sexta-feira que os tumultos assombram a cidade do sudeste de Espanha.

10 detidos, entre os quais os agressores de Domingo

Já foram detidas dez pessoas na sequência dos motins anti-imigrantes, três das quais relacionadas com o ataque ao reformado — serão dois imigrantes que não residiam em Torre Pacheco e um terceiro, que foi detido no País Basco, no norte do país, quando se dirigia para França.

As outras sete pessoas, um cidadão marroquino e seis espanhóis, foram detidas por terem participado nos confrontos que se seguiram. Estão a ser processados pelos crimes de perturbação da paz, ódio e ferimento intencional.

Ainda segundo a delegada do governo central para a região de Múrcia, foram também identificadas cerca de 80 pessoas que participaram nos confrontos, “muitos deles têm um historial de violência” e “a maioria não é de Torre Pacheco”.

Já o autarca de Múrcia garantia que os responsáveis pela violência que abalou a cidade de 40.000 habitantes nos últimos dias “vieram de fora” da cidade.

“Fiquem em casa”, pedem imãs a jovens

Dez imãs da mesquita de Torre Pacheco, Múrcia, Espanha, reuniram-se na madrugada desta terça-feira com dezenas de jovens marroquinos para lhes pedir que ficassem em casa, para evitar novos tumultos nas ruas.

Dois porta-vozes dos imãs pediram aos jornalistas para não registarem aquela assembleia improvisada, para a qual pediram autorização à Guardia Civil, e sublinharam que o conflito em Torre Pacheco surgiu devido à chegada de pessoas de fora, porque naquela cidade espanhola povos do Norte de África e espanhóis “sempre se deram muito bem”.

“Nós, os mais velhos, estamos a tentar acalmar os miúdos [referindo-se aos jovens] para que não haja nada e que a violência passe neste momento”, afirmou um dos porta-vozes, que apelou também para que se evite o “racismo”.

Queremos paz e queremos que a Guardia Civil e a polícia façam o seu trabalho, porque estamos fartos de delinquentes. Não os queremos, não queremos pessoas que atacam um idoso”, sublinhou.

E apontam que, depois da agressão contra o sujeito na quarta-feira, os marroquinos receberam ameaças graves “de pessoas de fora de Torre Pacheco”, razão pela qual insistiram em exigir que as pessoas de fora da cidade não viessem para aqui por uma questão de “paz e sossego”.

Estará marcada para as 22h00 desta terça-feira uma manifestação de grupos de extrema-direita.

Vox e um vídeo inflamador e enganador

Um dia depois do relato alarmante de Domingo, o partido Vox recorreu a um vídeo de uma ocasião totalmente diferente para retratar o que se passou na quarta-feira com o reformado, que viu-se, o próprio, obrigado a desmentir que era ele no vídeo.

O partido de extrema-direita partilhou imagens de uma agressão que recua a maio, onde se vê um homem brutalmente agredido — por dois espanhóis e, neste caso, em Almeria.

Outro vídeo partilhado pelo partido Vox mostrava outra vítima, em El Algar, na mesma província. Também esse incidente não estava de forma alguma relacionado com a agressão de quarta-feira.

Os dois vídeos enganadores foram partilhados pelo Chega de André Ventura, nas suas contas oficiais.

A partilha do Vox está a ser encarada como um gatilho que deu origem à infeliz “caça ao imigrante” que está a acontecer em Múrcia.

“Não queremos pessoas assim nas nossas ruas. Vamos deportar todos: não vai sobrar nenhum. As pessoas vêm para Espanha para trabalhar e gerar riqueza, não para cometer crimes ou espalhar o terror”, disse o líder do Vox na região, citado pelo El Mundo.

O governo espanhol culpa discursos “como o do Vox” pelo que se está a passar e o PSOE, o Esquerda Unida e o Podemos (Podemos) apresentaram queixa.

A Procuradoria Superior da Região de Múrcia vai iniciar esta terça-feira uma investigação para apurar se há indícios de crime nas declarações públicas do presidente regional do Vox.

Segundo os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), 920.000 marroquinos viviam em Espanha em 1 de janeiro de 2024, a maior diáspora em Espanha.

Segundo sondagem partilhada pelo El Mundo esta terça-feira, 70% dos espanhóis são favoráveis à deportação de imigrantes ilegais, mas também de imigrantes legais que cometam crimes.

Tomás Guimarães, ZAP //

1 Comment

  1. Esqueceram-se foi de informar que o suposto agredido (antigo empresário) fez parte à uns anos atrás de uma suposta rede que violava meninas de 16 e 17 anos, mas isso não interessa contar.
    Qualquer das maneiras os ataques devem sempre ser repudiados.

    4
    3

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.