Estatisticamente impossível. Algo estranho aconteceu aos oceanos depois do Chicxulub

Smithsonian Institution

Até os bivalves eram diferentes durante a época dos dinossauros, como mostram estes fósseis de uma ostra ultra-fortificada, à esquerda, e de um berbigão blindado.

Fósseis antigos mostram como a última extinção em massa alterou para sempre a biodiversidade dos oceanos.

Há cerca de 66 milhões de anos, possivelmente num dia de primavera particularmente azarado, o famigerado asteroide que criou a cratera de Chicxulub colidiu com o nosso planeta.

As consequências foram imediatas e severas. As evidências mostram que aproximadamente 70% das espécies foram extintas num instante geológico, e não apenas os famosos dinossauros que antes dominavam a terra.

Os senhores dos oceanos do Mesozoico também foram eliminados, desde os mosassauros – um grupo de répteis aquáticos no topo da cadeia alimentar – até parentes de lulas com conchas requintadas conhecidos como amonites.

Mesmo os grupos que sobreviveram à catástrofe, como mamíferos, peixes e plantas com flores, sofreram graves declínios populacionais e perdas de espécies.

A vida invertebrada nos oceanos não teve melhor sorte, explica o paleobiólogo Stewart Edie, curador de Paleobiologia do Smithsonian Institution, num artigo no The Conversation.

Mas a borbulhar no fundo do mar, estava um grupo de animais que deixou um fantástico registo fóssil e continua a prosperar hoje: os bivalves – amêijoas, berbigões, mexilhões, ostras e outros.

O que aconteceu a estas criaturas durante o evento de extinção e como recuperaram conta uma história importante, tanto sobre o passado como sobre o futuro da biodiversidade.

Descobertas surpreendentes no fundo do mar

Os bivalves marinhos perderam cerca de 3/4 das suas espécies durante esta extinção em massa, que marcou o fim do Período Cretáceo.

Edie e os colegas, paleobiólogos que estudam a biodiversidade, esperavam que a perda de tantas espécies tivesse reduzido severamente a variedade de funções que os bivalves desempenham nos seus ambientes — o que chamam de “modos de vida”.

Mas, como explicam os investigadores num estudo recentemente publicado na revista Sciences Advances, não foi isso que aconteceu.

Ao avaliar os fósseis de milhares de espécies de bivalves, descobriram que pelo menos uma espécie de quase todos os seus modos de vida, não importa quão rara ou especializada, conseguiu sobreviver ao evento de extinção.

Estatisticamente, isso não deveria ter acontecido. Eliminar 70% das espécies de bivalves, mesmo aleatoriamente, deveria fazer com que alguns modos de vida tivessem desaparecido por completo.

A maioria dos bivalves enterra-se feliz na areia e na lama, alimentando-se de fitoplâncton que filtram da água. Mas outros adotaram quimiossimbiontes e fotossimbiontes – bactérias e algas que produzem nutrientes para os bivalves a partir de produtos químicos ou luz solar em troca de abrigo.

Alguns tornaram-se até carnívoros. Outros grupos, incluindo as ostras, podem depositar um cimento resistente que endurece debaixo de água, e os mexilhões agarram-se às rochas tecendo fios de seda.

Edie e os colegas pensavam que certamente estes modos de vida mais especializados teriam sido eliminados pelos efeitos do impacto do asteroide, incluindo poeira e detritos que provavelmente bloquearam a luz solar e perturbaram uma grande parte da cadeia alimentar dos bivalves: algas fotossintéticas e bactérias.

Em vez disso, a maioria persistiu, embora a biodiversidade tenha sido permanentemente alterada à medida que uma nova paisagem ecológica emergiu. Espécies que antes eram dominantes lutaram para sobreviver, enquanto recém-chegados evolutivos ascenderam em seu lugar.

As razões pelas quais algumas espécies sobreviveram, e outras não, deixam muitas questões a explorar.

Aquelas que filtravam fitoplâncton da coluna de água sofreram algumas das maiores perdas de espécies, mas o mesmo aconteceu com espécies que se alimentavam de restos orgânicos e não dependiam tanto da energia solar.

Distribuições geográficas restritas e diferentes metabolismos podem ter contribuído para estes padrões de extinção.

A biodiversidade recupera

A vida recuperou de cada uma das cinco grandes extinções em massa ao longo da história da Terra, eventualmente ultrapassando os picos de diversidade anteriores.

O rico registo fóssil e a espetacular diversidade ecológica dos bivalves dá-nos uma excelente oportunidade para estudar estas recuperações e compreender como os ecossistemas e a biodiversidade global se reconstroem após extinções.

A extinção causada pelo impacto do asteroide derrubou alguns modos de vida prósperos e abriu a porta para que outros dominassem a nova paisagem.

Enquanto muitas pessoas lamentam a perda dos dinossauros, os malacologistas (cientistas que, como Edie, estudam os moluscos) sentem a falta dos rudistas, um grupo extinto de bivalves, com aspecto muito diferente dos que existem actualmente.

Estes bivalves de forma bizarra pareciam enormes cones de gelado, às vezes atingindo mais de 1 metro de tamanho, e dominavam os mares rasos e tropicais do Mesozoico como agregações massivas de indivíduos contorcidos, semelhantes aos recifes de coral atuais.

Pelo menos alguns abrigavam algas fotossimbióticas, que lhes forneciam nutrientes e estimulavam o seu crescimento, muito como os corais modernos.

Hoje, as amêijoas gigantes (Tridacna) e os seus parentes preenchem parte desses estilos de vida fotossimbióticos únicos outrora ocupados pelos rudistas, mas carecem da impressionante diversidade de espécies dos rudistas.

As extinções em massa claramente alteram o status quo. Agora, os nossos fundos oceânicos são dominados por amêijoas enterradas na areia e na lama, as mercenárias, berbigões e seus parentes – um cenário muito diferente do fundo do mar há 66 milhões de anos.

Novos vencedores num ecossistema alterado

As características ecológicas por si só não previram completamente os padrões de extinção, nem explicam inteiramente a recuperação.

Também vemos que simplesmente sobreviver a uma extinção em massa não proporcionou necessariamente uma vantagem à medida que as espécies se diversificaram dentro dos seus antigos e às vezes novos modos de vida – e poucos desses novos modos dominam a paisagem ecológica hoje.

Como os rudistas, os bivalves trigoniídeos tinham muitas espécies diferentes antes do evento de extinção.

Estas amêijoas altamente ornamentadas construíam partes das suas conchas com um biomaterial super resistente chamado nácar – semelhante a uma pérola iridescente – e tinham dobradiças fractalmente interligadas segurando as suas duas valvas.

Mas apesar de sobreviverem à extinção, o que deveria tê-los colocado numa posição privilegiada para acumular espécies novamente, a sua diversificação estagnou.

Outros tipos de bivalves que viviam da mesma maneira proliferaram em vez disso, relegando este grupo outrora poderoso e global a um punhado de espécies agora encontradas apenas na costa da Austrália.

Lições para os oceanos de hoje

Estes padrões inesperados de extinção e sobrevivência podem oferecer lições para o futuro.

O registo fóssil mostra-nos que a biodiversidade tem pontos de rutura definitivos, geralmente durante uma tempestade perfeita de agitação climática e ambiental. Não é apenas que as espécies são perdidas, mas a paisagem ecológica é derrubada.

Muitos cientistas acreditam que a atual crise de biodiversidade pode evoluir para uma sexta extinção em massa, desta vez impulsionada por atividades humanas que estão a mudar os ecossistemas e o clima global.

Os corais, cujos recifes abrigam quase um quarto das espécies marinhas conhecidas, enfrentaram eventos de branqueamento em massa à medida que o aquecimento da água do oceano coloca o seu futuro em risco.

A acidificação dos oceanos, à medida que absorvem mais dióxido de carbono, também pode enfraquecer as conchas de organismos cruciais para a cadeia alimentar oceânica.

Descobertas como as do estudo de Edie e dos seus colegas sugerem que, no futuro, a recuperação de eventos de extinção provavelmente resultará em misturas muito diferentes de espécies e seus modos de vida nos oceanos.

E o resultado pode não se alinhar com as necessidades humanas se as espécies que fornecem a maior parte dos serviços ecossistémicos forem levadas à extinção genética ou funcional.

Os oceanos globais e seus habitantes são complexos e, como mostra o estudo de Edie, é difícil prever a trajetória da biodiversidade enquanto ela se recupera – mesmo quando as pressões de extinção são reduzidas.

Milhares de milhões de pessoas dependem do oceano para alimentação. Como mostra a história dos bivalves, a alteração da ordem hierárquica – o número de espécies em cada modo de vida – não se estabelecerá necessariamente num arranjo que possa alimentar tantas pessoas da próxima vez.

ZAP //

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