O presidente da República disse recentemente que apenas iria indigitar um novo primeiro-ministro que garantisse condições de governabilidade. Os resultados das eleições não deram a Luís Montenegro a ansiada maioria, mas emprestaram-lhe uma mini-maioria.
Apurados os resultados das Eleições Legislativas deste domingo, e distribuídos os mandatos pelas formações partidárias com assento no Parlamento, a AD, com 89 deputados (eventualmente 90, com os deputados dos círculos da Emigração), não consegue obter maioria absoluta.
Juntando-lhe os 9 mandatos obtidos pela Iniciativa Liberal, os 99 obtidos pelas duas formações ficam ainda assim aquém de uma maioria absoluta — a almejada meta que garante uma alegada “estabilidade governativa”.
Assim, de que forma poderá Luís Montenegro assegurar a viabilização do novo governo, conforme exige o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, como condição para indigitar um primeiro ministro? De que forma poderá o novo primeiro-ministro garantir governabilidade na nova legislatura?
Há três cenários possíveis, atendendo a duas circunstâncias que resultam da nova Assembleia: há uma clara maioria de direita com os deputados da AD, IL e Chega, e o número de deputados da AD é superior aos de toda a esquerda — algo que não se verificava na anterior legislatura, nem com os mandatos da AD com a IL.
A imensa maioria de direita
A forma mais linear de assegurar uma maioria parlamentar seria um acordo alargado à direita, entre AD, IL e Chega. Para tal, o paradigmático não-é-não de Luís Montenegro teria que passar a um não-agora-é-sim.
É pouco provável que aconteça. Montenegro foi, apesar de tudo, conseguindo governar sem o Chega em 2024, e apesar de ter agora ficado novamente aquém da maioria absoluta, a AD saiu claramente reforçada destas Legislativas. No outro extremo, o PS sai do ato eleitoral muito fragilizado.
Em teoria, Montenegro tem agora mais condições para manter o seu não-é-não, e a inegável vitória de André Ventura nestas eleições é quase uma vitória de Pirro: o Chega aumenta a sua presença no Parlamento, mas não a sua influência, e a que o PS perdeu passou para as mãos do Livre.
Já esta noite, após o seu discurso de vitória, questionado pelos jornalistas sobre se iria manter a sua posição, Montenegro respondeu que “quanto aos nossos compromissos já mostrámos que temos palavra e que cumprirmos a nossa palavra”.
Mas a imensa maioria de direita que se formou este domingo pode vir a materializar-se num outro cenário: uma eventual revisão da Constituição. Com os 70 deputados eleitos pelo partido de André Ventura, a AD, IL e Chega somam 159 deputados — seis acima dos dois terços de mandatos necessários.
Não há chafarica
Após as primeiras projeções das televisões, chegou a perspetivar-se a possibilidade de se poder atingir uma maioria parlamentar com o soma dos mandatos obtidos pela AD, a IL e o Livre de Rui Tavares.
Tal coligação parece impensável; ao contrário da geringonça e da caranguejola, arranjos que conjugavam vontades de partidos no mesmo espectro político, uma tal chafarica teria que remendar um programa de governo que juntasse as posições ideológicas de dois partidos em campos opostos: IL e Livre.
Se viesse a mostrar-se mesmo necessário assegurar uma maioria parlamentar para garantir governabilidade, estariam os dois partidos dispostos a entender-se?
Num comentário na CNN Portugal durante a noite eleitoral, o escritor e antigo jornalista Miguel Sousa Tavares considerou que há dois blocos de partidos no atual espetro político português: os constitucionalistas e os anarquistas.
O comentador coloca Chega, Bloco de Esquerda, CDU e PAN no “arco marginal”, com posições anti-sistema e anti-democráticas.
Do outro lado, a AD, o PS, a Iniciativa Liberal e o Livre são formações políticas que defendem a ordem constitucional e que em qualquer circunstância teriam a responsabilidade de assegurar a governabilidade do país, diz Miguel Sousa Tavares.
Assim, uma chafarica não seria impensável — apenas muito estranha. Porém, os 105 mandatos somados de AD, IL e Livre ficam a 11 dos necessários para a maioria parlamentar; o cenário nem se coloca, não vai haver chafarica.
A mini-maioria
Na anterior legislatura, Montenegro teve que manobrar a sua governação sem maioria absoluta na Assembleia. Além disso, a soma dos deputados da AD e IL era inferior à dos deputados de toda a esquerda, liderada por um PS com mais mandatos do que o PSD.
Nestas circunstâncias, para fazer aprovar os seus diplomas, bastava ao governo negociar à esquerda com Pedro Nuno Santos a abstenção dos socialistas, cenário que se verificou diversas vezes.
Mas a mera abstenção do Chega não era suficiente para fazer passar qualquer medida à direita: Montenegro tinha sempre que contar com os votos favoráveis dos deputados de André Ventura.
A nova composição da Assembleia apresenta agora um cenário bastante diferente: o número de deputados da AD é superior aos mandatos somados do PS, Livre, Bloco, CDU e Pan.
Montenegro tem assim mais margem para negociar as sempre politicamente corretas abstenções, à esquerda e à direita, com Chega, ou com PS — que, após a demissão de Pedro Nuno Santos, terá oportunidade de decidir, com a eleição de um novo líder, se optará por uma estratégia de confronto ou consenso na Assembleia.
Além do claro reforço da representação parlamentar, esta é uma pequena-grande vitória de Montenegro, que reúne agora mais condições para navegar pelas previsivelmente agitadas águas da nova Assembleia; e o primeiro teste ao efeito desta aritmética irá ocorrer com a eleição do novo Presidente da Assembleia.
Viabilizado o Programa de Governo no Parlamento, será esta mini-maioria suficiente para assegurar a viabilidade governativa durante a legislatura?
Marcelo dirá.
Está na hora de o PS deixar o politicamente correto de parte e votar onde acredita e contra o que não acredita e deixar clara a sua posição. Deixar de lado as negociatas das abstenções.
A AD que governe com quem concordar com as medidas. A responsabilidade do Governo é governar e encontrar, se preciso for, consensos onde os conseguir arranjar. Não consegue? Paciência.