Nuno Farinha / Museu de Leiria

Menino do Lapedo, reconstituição
Descoberto em Portugal em 1998, o “Menino do Lapedo” deixou os cientistas perplexos durante muito tempo, graças a uma curiosa mistura de caraterísticas. Agora, o esqueleto misterioso da criança com traços de homo sapiens e neandertal foi finalmente datado por arqueólogos.
Em 1998, os arqueólogos descobriram os restos do esqueleto de uma criança no Lagar Velho, no Vale do Lapedo, situado na freguesia de Santa Eufémia, distrito de Leiria.
Quando a equipa examinou mais de perto os ossos manchados de ocre, ficou surpreendida ao descobrir que a “criança do Lapedo” tinha uma mistura de caraterísticas neandertais e humanas.
Utilizando a datação por radiocarbono, os arqueólogos tentaram descobrir quando é que a criança tinha sido enterrada, mas não conseguiram determinar um período de tempo fiável — apenas que teria sido há cerca de 30 mil anos.
Agora, usando um novo método de datação, um grupo internacional de investigadores — incluindo o arqueólogo João Zilhão e a antropóloga Cidália Duarte, membros da equipa que originalmente tinha encontrado os ossos — deduziu que a criança foi enterrada entre 27.780 e 28.550 anos atrás.
Os resultados do estudo foram apresentados num artigo publicado na sexta-feira na revista Science Advances.
“Ser capaz de datar a criança com sucesso foi como devolver-lhe um pequeno pedaço da sua história, o que é um enorme privilégio”, diz Bethan Linscott, geoquímica da Universidade de Miami e co-autora do estudo, à Associated Press.
O novo intervalo de datas contribui para o crescente conhecimento dos cientistas sobre a relação entre o Homo sapiens e os Neandertais. O ADN antigo indica que as duas espécies se cruzaram durante milhares de anos, antes de os Neandertais desaparecerem, há cerca de 40.000 anos.
Os cientistas há muito que se interrogam sobre a curiosa mistura de traços humanos e neandertais da criança de Lapedo.
O esqueleto tinha, na sua maioria, caraterísticas humanas, mas também apresentava as proporções do corpo, a mandíbula e o osso occipital na parte de trás do crânio, caraterísticos dos Neandertais.
Na altura da descoberta do esqueleto, a ideia de que os humanos e os Neandertais se tinham hibridizado não era corrente; o genoma Neandertal só foi sequenciado mais de uma década depois, revelando como os humanos modernos têm quantidades variáveis de ADN Neandertal.
No seu estudo original de 1999, os investigadores sugeriram que a criança Lapedo era descendente de humanos e Neandertais que se tinham cruzado muito antes.
A ideia de que um humano e um Neandertal se hibridizaram diretamente para dar à luz a criança é complicada pela cronologia conhecida da extinção do Neandertal: a espécie tinha desaparecido em grande parte mais de 10.000 anos antes de a criança Lapedo viver, embora os Neandertais tenham desaparecido em alturas diferentes por toda a Europa.
“Havia algo estranho na anatomia da criança. Quando encontramos a mandíbula, sabíamos que seria um humano moderno, mas quando expusemos o esqueleto completo vimos que tinha as proporções corporais de um Neandertal”, explicou em 2023 João Zilhão, que liderou a equipa que em 1998 encontrou os ossos.
“A única coisa que poderia explicar essa combinação de características é que a criança era, de facto, evidência de que os neandertais e os humanos modernos se cruzaram”, detalhou o investigador da Universidade de Lisboa.
A nova cronologia estabelecida para a vida da criança fornece informações adicionais que os arqueólogos podem agora tomar em conta enquanto tentam desvendar os mistérios associados aos restos mortais, e oferecer novos conhecimentos sobre a sobreposição entre humanos e neandertais, bem como pistas sobre o eventual desaparecimento dos neandertais.
“A confirmação adicional da idade do sítio permite-nos compreender melhor, com base na morfologia, como se pode ter desenrolado o processo de substituição dos Neandertais pelo Homo sapiens”, diz Adam Van Arsdale, paleoantropólogo do Wellesley College que não esteve envolvido no estudo, ao Live Science.
Para determinar a idade da criança, os cientistas extraíram um aminoácido específico chamado hidroxiprolina do colagénio dos ossos. Esta técnica é boa para datar amostras arqueológicas contaminadas, como a criança Lapedo, explica Linscott.
A hidroxiprolina é rara na natureza e funciona essencialmente como uma “impressão digital” do colagénio, pelo que, ao datar a hidroxiprolina, podemos ter a certeza de que o carbono que estamos a datar provém diretamente do osso e não de contaminação”, detalha a arqueóloga.
A equipa utilizou a mesma técnica para datar outros artefactos encontrados na sepultura da criança, incluindo ossos de coelho, ossos de veado vermelho e carvão vegetal.
A análise sugere que o carvão e os ossos de veado vermelho eram muito mais velhos do que a criança e provavelmente já estavam no local quando a criança foi enterrada ou foram usados para posicionar o corpo dentro da cova.
Os ossos de coelho, pelo contrário, parecem ter sido colocados no local ao mesmo tempo que a criança, possivelmente como uma oferenda funerária.
Os humanos pré-históricos utilizaram o local durante cerca de 300 anos como local de abate e processamento de carcaças de animais. Mas após o enterro da criança, o local foi abandonado por mais de 2.000 anos.
Os cientistas não sabem bem porquê, mas dizem que a morte da criança terá tido um papel importante. “Talvez o acontecimento da morte tenha feito com que o local se tornasse tabu e uma regra social para o evitar tenha sido posta em prática até que a memória do acontecimento se desvanecesse”, conclui João Zilhão ao IFLS.
Mais de 25 anos depois da sua descoberta, o esqueleto do “Menino do Lapedo”, que em 2021 foi classificado como Tesouro Nacional, permanece depositado no Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa — estando ainda por decidir se algum dia será exposto ao público.
Contradizendo a notícia, o esqueleto não foi descoberto pelos arqueólogo João Zilhão e a antropóloga Cidália Duarte, Eles apenas estabeleceram ali uma marca que ainda está em exploração. A descoberta deve-se ao Dr. Pedro Ferreira que atualmente faz parte dos quadros da Câmara Municipal de Leiria. O seu a seu dono.