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“Carneiro caloteiro, paga o dinheiro” – o tom da campanha de 1979 poderá repetir-se

Ataques constantes a Sá Carneiro por causa de uma alegada dívida de 33 mil contos. Até apareceu uma nova nota de dinheiro.

Ainda não temos a certeza de que vai haver eleições legislativas antecipadas em 2025.

Luís Montenegro anunciou que vai apresentar na Assembleia da República uma moção de confiança. Se PS e Chega fizerem o que já anunciaram, o documento vai ser chumbado. Se a moção é rejeitada, o Governo cai. Se o Governo é derrubado, haverá mesmo eleições antecipadas.

No meio dos vários “ses”, já se prevê como será a campanha eleitoral: repleta de ataques ao primeiro-ministro, dúvidas diárias à volta da Spinumviva, a empresa da família de Montenegro.

O ministro Paulo Rangel até acredita que a campanha não seja marcada por ataques pessoais, por assuntos fora do âmbito político. E, nessa entrevista na rádio Observador, recordou o caso de Francisco Sá Carneiro, na campanha eleitoral de 1979. Embora não sejam situações iguais. Nem épocas iguais.

“Paga o que deves”

“Carneiro caloteiro, paga o dinheiro” ou “Sá, paga o que deves”.

Estas duas frases espalharam-se pelo país. Foram pintadas em centenas ou mesmo milhares de paredes.

Em causa estaria uma dívida de Sá Carneiro, na altura candidato a primeiro-ministro. Uma alegada dívida de 33 mil contos ao Banco Espírito Santo. Sim, o BES, curiosamente.

A esquerda aproveitou essa dúvida. PS, UDP, até a CGTP e sobretudo o PCP – que na altura, diz-se, mandou imprimir milhares de notas falsas com Sá Carneiro como protagonista: “Carneiro caloteiro”, “Watergate de Portugal”, “33 mil contos” lia-se na nota (que terá enganado algumas pessoas, que a usaram em pagamentos).

O caso chegou mesmo à Assembleia da República, em 1980. Mas a comissão permanente decidiu não convocar uma sessão extraordinária para a discussão dessa alegada dívida; o debate tinha sido solicitado por PS e PCP.

Armando Adão e Silva, deputado reformador, explicou na altura à RTP que os deputados do seu Movimento Reformador “não podiam ignorar” os compromissos parlamentares assumidos com a Aliança Democrática (na altura, Sá Carneiro já era primeiro-ministro).

O que aconteceu?

Os jornais lembravam na altura que a história tinha começado em 1973, seis anos antes.

A primeira denúncia tinha sido em 1976, pelo jornal O Diário, afecto ao PCP. Aliás, esse jornal publicou em 1980 um livro chamado Watergate Sá Carneiro (história de uma fraude).

Um alegado negócio que tinha corrido mal? Um empréstimo por pagar? Na altura eram diversos dados confusos, difíceis de relacionar, difíceis de compreender claramente.

Sá Carneiro terá mesmo passado por dificuldades financeiras.

Tinha contraído empréstimos bancários, neste caso no BES, no Porto: o deputado e o irmão – segundo o jornal – tinham contraído uma dívida para investir na bolsa para, mais tarde, saldar essa dívida.

Mas esse movimento foi feito pouco antes do 25 de Abril. Com a Revolução, o banco foi nacionalizado, a bolsa fechou. A dívida no Porto foi transferida para Lisboa, para uma conta em nome de Ricardo S. Carneiro, que seria o irmão de Francisco Sá Carneiro.

Uma dívida que no início seria próxima de 13 mil contos e depois subiu para os tais 33 mil contos, com os juros.

Mesmo com essa dívida (que Sá Carneiro garantiu que estava paga), não terá havido qualquer corrupção ou enriquecimento ilícito. Era um problema pessoal.

Antes da campanha, Sá Carneiro foi alvo de um processo na Ordem dos Advogados por alegadas irregularidades no pagamento de quotas – outro tópico repetido pela oposição.

Isto, além da sua situação conjugal, já que vivia com Snu Abecassis sem se ter casado com a sua parceira. Quase um escândalo na altura, reforçado pelo facto de os dois estarem casados (com outras pessoas) quando iniciaram a relação. Aliás, quando Sá Carneiro morreu, o seu casamento religioso com Isabel Maria Ferreira Nunes de Matos ainda não tinha sido anulado oficialmente.

Resultado nas eleições: maioria absoluta para Sá Carneiro.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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