O Teorema da Incompletude pode parecer óbvio, mas não para os matemáticos, que tentam encontrar ordem no mundo. Existem coisas indetermináveis — e há números incalculáveis. Agora, sabe-se como isso pode influenciar a física.
Em 1931, Kurt Gödel formulou o Teorema da Incompletude, que determina que nunca se conseguirá provar todas as verdades matemáticas: haverá sempre verdades que escapam à estrutura matemática básica e que são impossíveis de provar.
Por exemplo, nunca será possível esclarecer quantos números reais existem dentro do quadro matemático atualmente em uso. E os problemas insolúveis não se limitam à matemática.
Por exemplo, em certos jogos de cartas e de computador (como o Magic: The Gathering), podem surgir situações em que é impossível determinar qual o jogador que vai ganhar, explica a Scientific American.
Na física, sabe-se que nem sempre é possível prever se um sistema de cristais conduzirá eletricidade ou não. Mas, agora, um novo estudo publicado em outubro explica que, noutros campos da física, este teorema também se aplica.
Toby Cubitt e os seus colegas explicaram que é impossível determinar o parâmetro crítico em que um sistema de partículas sofre uma transição de fase — uma mudança semelhante à que ocorre quando a água congela abaixo de uma temperatura de zero graus Celsius. “O nosso resultado… ilustra como os números não calculáveis se podem manifestar nos sistemas físicos“, escreve-se no artigo.
A imprevisibilidade pode, então, acontecer em sistemas realistas. Neste trabalho, a equipa de Cubitt analisou uma rede quadrada finita contendo um arranjo de várias partículas que interagem cada uma com o seu vizinho mais próximo.
No modelo de Cubitt, a força da interação entre os eletrões depende de um parâmetro φ. Cubitt e a sua equipa determinaram o valor de φ a partir do qual ocorre este hiato. E corresponde à chamada constante de Chaitin Ω — um número que pode soar familiar aos amantes de matemática, já que se encontra entre os poucos exemplos conhecidos de números que não podem ser calculados.
Não existe um algoritmo que, se for executado durante um tempo infinito, produza Ω. Então, se Ω não pode ser calculado, então também não é possível especificar quando ocorre uma transição de fase no sistema estudado por Cubitt e seus colegas.
A constante de Chaitin Ω corresponde à probabilidade de o modelo teórico de um computador (uma máquina de Turing) parar para um dado input:
Nesta equação, p denota todos os programas que param após um tempo de execução finito, e |p| descreve o comprimento do programa em bits.
Para calcular a constante de Chaitin com exatidão, seria necessário saber quais os programas que se mantêm e quais os que não se mantêm — o que não é possível, de acordo com o problema da manutenção.
Ainda que, em 2000 o matemático Cristian Calude e os seus colegas tenham conseguido calcular os primeiros dígitos da constante de Chaitin (0,0157499939956247687…) nunca será possível encontrar todas as casas decimais.
A equipa de Cubitt conseguiu assim provar matematicamente que o seu modelo físico sofre uma transição de fase para um valor de φ = Ω: passa de condutor a isolante. No entanto, como Ω não pode ser calculado com exatidão, o diagrama de fases do sistema físico também é indefinido.
“Os nossos resultados ilustram que números não computáveis podem surgir como pontos de transição de fase em modelos semelhantes aos da física, mesmo quando todos os dados microscópicos subjacentes são totalmente computáveis”, escrevem no artigo.
Apesar de tudo, a precisão com que a constante de Chaitin pode ser especificada torna-a suficiente para aplicações no mundo real.
Ainda assim, o trabalho de Cubitt e dos seus colegas ilustra mais uma vez o alcance da ideia de Gödel — e pode mesmo colocar em causa a ideia de que alguma vez atingiremos uma Teoria de Tudo.