Pela primeira vez em 36 anos, o jornal Washington Post não vai apoiar nenhum candidato nas eleições dos EUA. É uma decisão polémica que terá sido tomada pelo dono do jornal, Jeff Bezos.
O Washington Post anunciou que não vai apoiar nenhum candidato nas eleições presidenciais americanas que se realizam em Novembro próximo, com uma disputa entre Donald Trump (Partido Republicano) e Kamala Harris (Partido Democrata).
Além disso, também não apelará ao voto em nenhum candidato em eleições futuras.
“Estamos a regressar às nossas raízes de não apoiar candidatos presidenciais”, explica o diretor-geral do jornal, William Lewis, num artigo de opinião no Washington Post (jornal que também é conhecido apenas por Post).
Os jornais norte-americanos têm uma tradição de assumir o apoio público a um candidato nas eleições gerais do país.
Lewis recorda que o Post só começou a apoiar, regularmente, candidatos em 1976, quando se colocou ao lado do democrata Jimmy Carter. Nas eleições de 1960, tinha-se abstido de apoiar qualquer candidato na disputa entre John F. Kennedy e Richard Nixon.
A última vez que o Post não apoiou um candidato presidencial foi em 1988, de acordo com uma pesquisa nos arquivos do jornal.
“O nosso trabalho, enquanto jornal diário da capital do país mais importante do mundo, é ser independente. Isto é o que somos e o que seremos sempre”, acrescenta Lewis, frisando que esta posição do Post também é uma “declaração de apoio à capacidade dos leitores de tomarem as suas próprias decisões“.
Equipa editorial tinha decidido apoiar Harris
Mas o jornal norte-americano também publica um artigo assinado por dois repórteres da redacção que asseguram que a “equipa da página editorial” já tinha redigido um artigo a apoiar Harris, mas este ainda não tinha sido publicado.
“A decisão de não publicar mais apoios presidenciais foi tomada pelo proprietário do Post”, sublinha este mesmo artigo que cita “quatro pessoas que foram informadas sobre a decisão” e que não querem dar a cara para preservarem os seus empregos.
O Sindicato dos Jornalistas do Washington Post corrobora esta versão, salientando que, de acordo com os seus membros, “o apoio a Harris já tinha sido escrito e o proprietário do Post, Jeff Bezos, tomou a decisão de não o publicar”, conforme um comunicado divulgado na rede social X.
A statement from Post Guild leadership on the Washington Post’s decision to not endorse a presidential candidate pic.twitter.com/fYU7hkr79K
— Washington Post Guild (@PostGuild) October 25, 2024
Deste modo, o Sindicato revela-se “muito preocupado” com a decisão tomada a “apenas 11 dias duma eleição com imensos desafios”, e fala de uma “ingerência” nas decisões do comité editorial.
“Já estamos a ver cancelamentos [de subscrições] de leitores que antes eram fiéis”, lamenta ainda o Sindicato.
“Vamos morrer no escuro e Bezos apagou a luz”
A indignação de vários leitores é visível nas redes sociais e nos comentários na versão online do jornal. As queixas acumulam-se também nas caixas de correio electrónico dos funcionários do jornal.
“Vamos todos morrer no escuro e Jeff Bezos apagou a luz“, lamenta um leitor do Post numa referência ao lema do jornal – “A democracia morre na escuridão”.
O colunista de longa data do Post Robert Kagan, um conceituado jornalista e habitual crítico de Trump, resignou em protesto.
Vários outros jornalistas e ex-jornalistas do Post, jornalistas de outros jornais e comentadores políticos também criticam a posição oficial do jornal.
Jornalistas do Post preocupados
Uma das maiores estrelas do Post, a repórter de investigação vencedora do Prémio Pulitzer e autora de best-sellers Carol D. Leonnig, manifesta, citada pelo próprio Post, que acha “estranha” a explicação apresentada para a mudança de posição e o “momento” em que foi tomada.
Para a jornalista, a situação “levanta preocupações” sobre eventuais interferências de Bezos no futuro.
Leonnig questiona-se, numa preocupação partilhada com os colegas jornalistas, se poderá continuar a fazer “reportagens contundentes, de forma independente“, sem ter de se preocupar “com quem está chateado” com o tratamento dado à informação.
Bezos que é dono da Amazon comprou o Washington Post em 2013. Desde então, o jornal anunciou sempre o apoio aos candidatos democratas nas eleições presidenciais de 2008, 2012, 2016 e 2020.
Enquanto foi Presidente dos EUA, Donald Trump foi muito crítico de Bezos e do Post.
Nos últimos anos, Bezos assinou vários grandes contratos com o Governo norte-americano, nomeadamente com o Pentágono no âmbito do armazenamento de dados em softwares de “cloud”.
Dono do Los Angeles Times bloqueou apoio a Harris
O caso do Washington Post surge depois de o dono do Los Angeles Times, outro prestigiado jornal norte-americano, ter bloqueado a decisão do comité editorial de apoiar Kamala Harris.
Por outro lado, o jornal ultra-conservador New York Post, detido pelo magnata Rupert Murdoch, apelou ao voto em Donald Trump.
Já o New York Times revelou que apoia Harris.
O Boston Globe e o Philadelphia Inquirer, jornais do Estado da Pensilvânia, onde Trump e Harris vão ter uma disputa acesa, também revelaram o apoio à candidata democrata.
O dinheiro e o poder comandam. A manada obedece.
No meu carro só entra quem eu quero. Não faltava mais nada serem os empregados a mandar na empresa e a dizer como é que é.
Decisão corretíssima! O jornalismo deve ser independente e crítico do poder político, logo os órgãos de comunicação social, enquanto empresas, têm de ser neutrais em questões eleitorais. Obviamente, os jornalistas como cidadãos podem revelar as suas preferências. Creio ser também esta a posição dos media em Portugal, com a óbvia exceção dos jornais partidários – tipo “Avante” – mas isso parece-me aceitável e não é problemático.
“Bezos que é dono da Amazon comprou o Washington Post em 2013. Desde então, o jornal anunciou sempre o apoio aos candidatos democratas nas eleições presidenciais de 2008, 2012, 2016 e 2020.” Esta frase não faz sentido do ponto de vista temporal.
Já agora a tradução mais correta de “resign” (Robert Kagan) é “demitiu-se”.
Por acaso parece-me uma decisão acertada. Um jornal tem mais é que ser independente. Tem que falar dos podres e das virtudes dos dois. Não tem que escolher.
Como raio é que os jornalistas têm a lata de dizer que têm medo de não poderem ser isentos no futuro??? querem ser isentos no futuro e tomar partido agora???
É incrível como o jornalismo pela mão dos jornalistas, subverte sempre esta coisa da isenção e da liberdade de imprensa… É sempre isento e livre se lhes der jeito.
“A democracia morre na escuridão” — democracia não é jornais apoiarem candidatos, mas sim publicarem factos com profissionalismo e isenção.
Se isto por cá pegasse, não imagino que muitos (a maioria) jornalistas, claramente parciais nas suas “intervenções”, se demitissem.
Todos iriam virar a “casaca” e vender os princípios, porque mesmo agora, face ao que leio e vejo, princípios é coisa que não têm, pois não demonstram nenhuma isenção.
Jornalismo não dá opiniões e não dá conclusões, dá factos, e o leitor/espectador é que deve tirar as suas conclusões!
Quantos jornalistas já foram saneados por dizerem a verdade e incomodarem? Assim de repente, lembro-me da Manuela Moura Guedes…mas mais houve…