No pico da tensão da Crise dos Mísseis de Cuba, o comandante do submarino russo deu ordem para disparar um torpedo nuclear contra as forças norte-americanas. Vasili Arkhipov convenceu-o a recuar.
Quando se fala em figuras históricas marcantes da Guerra Fria, os primeiros nomes a vir à cabeça costumam ser os líderes políticos dos Estados Unidos ou da União Soviética — mas há precisamente 62 anos, o mundo pôde respirar de alívio graças a um homem de quem provavelmente nunca ouviu falar.
O dia era 27 de Outubro de 1962 e todos aguardavam com apreensão o desenrolar da Crise de Mísseis de Cuba, um dos episódios mais tensos da Guerra Fria e que ameaçou mergulhar a Humanidade na rota da auto-destruição.
A crise começou no início do mês, quando um avião espião norte-americano descobriu indícios de que os soviéticos estavam a construir lançadores de mísseis nucleares em Cuba capazes de atingir os Estados Unidos.
A tensão atingiu o seu auge quando um submarino soviético, escondido nas águas das Caraíbas, foi detetado pela Marinha dos Estados Unidos. Na altura, o Presidente Kennedy tinha imposto um bloqueio naval à volta de Cuba, impedindo a passagem de quaisquer navios ou submarinos soviéticos.
Os americanos, sem se aperceberem dos perigos que espreitavam, começaram a lançar cargas de profundidade perto do submarino, com a intenção de o obrigar a emergir. No entanto, não faziam ideia de que este submarino soviético estava armado com um torpedo nuclear capaz de obliterar a frota inteira dos EUA.
Dentro do submarino, as condições eram terríveis. As temperaturas ultrapassavam os 38 graus, o sistema de ar condicionado tinha falhado e a tripulação estava sem comunicação com Moscovo.
O comandante do submarino, o capitão Valentin Savitsky, estava exausto e nervoso e começou a acreditar que a guerra já tinha começado. As explosões das cargas de profundidade à volta do submarino apenas alimentaram o seu medo e, num momento de desespero, deu ordem para preparar o torpedo nuclear para ser lançado.
O segundo em comando aprovou a decisão de Savitsky, e parecia que um ataque devastador contra a frota americana era inevitável. No entanto, é aqui que entra em cena o herói rebelde Vasili Arkhipov, o comandante da flotilha responsável por três submarinos soviéticos. Calmo e sereno, Arkhipov interveio, questionando o julgamento do capitão e a ameaça sentida.
A conversa exacta entre Arkhipov e Savitsky permanece desconhecida. Mas os historiadores concordam que a recusa de Arkhipov em aprovar o lançamento da arma nuclear terá provavelmente evitado uma guerra nuclear global. De acordo com o protocolo da Marinha Soviética, o lançamento de tal arma exigia o consentimento unânime dos três oficiais superiores a bordo. Savitsky e o seu segundo em comando estavam prontos para atacar, mas a resistência de Arkhipov revelou-se fulcral.
Arkhipov argumentou que o submarino não estava a ser atacado e que as cargas de profundidade estavam a sinalizar a intenção da Marinha dos EUA de os forçar a vir à superfície, não de os destruir. O seu raciocínio ponderado, no meio da pressão da situação, convenceu o capitão a recuar. O torpedo nuclear não foi disparado.
Após um tenso impasse, o submarino veio à superfície e, em vez de entrar em combate, os soviéticos sinalizaram a sua presença. A marinha americana, sem saber o quão perto estava do desastre, não abordou o submarino nem inspecionou o seu arsenal. O navio soviético afastou-se então de Cuba e regressou à União Soviética, deixando para trás uma tragédia evitada por uma unha negra.
A frieza de Arkhipov num ambiente tão tenso explicar-se pelas suas experiências anteriores. Apenas um ano antes, tinha participado numa quase catástrofe a bordo do submarino soviético K-19, quando o sistema de refrigeração do reator nuclear falhou. Nesse incidente, Arkhipov e outros foram expostos a níveis perigosos de radiação, e muitos dos seus colegas acabaram por morrer como resultado deste incidente. A morte do próprio Arkhipov, em 1998, foi atribuída a um cancro nos rins, que se crê ter sido causado por essa exposição.
A dimensão total do que poderia ter acontecido se o torpedo nuclear tivesse sido disparado é arrepiante. Os EUA teriam provavelmente respondido com as suas próprias armas nucleares, levando a uma rápida escalada para um conflito nuclear em grande escala, arrastando consigo os aliados de ambos os lados.
A intervenção decisiva de Arkhipov em 1962 não foi isenta de consequências no seio da Marinha Soviética. Embora não tenha sido publicamente repreendido ou punido pela sua decisão, a situação a bordo dos submarinos foi objeto de uma análise interna. Os relatórios sugerem que, quando os oficiais souberam das condições dos submarinos durante a crise, ficaram furiosos. O Marechal Grachko, uma figura militar soviética de topo, terá partido os óculos com raiva ao ouvir os pormenores.
Nos anos que se seguiram, Arkhipov foi promovido, embora o seu papel fundamental para evitar uma guerra nuclear não tenha sido reconhecido. Só muito mais tarde é que a sua mulher Olga e outras pessoas vieram a público contar a sua história, que foi validada pelo oficial dos serviços secretos Vadim Orlov, que tinha estado a bordo do submarino durante a crise. Em documentários e entrevistas, é tido como um homem modesto que, num momento de pressão inimaginável, manteve a cabeça fria.
E essa frieza salvou o mundo como o conhecemos hoje.